As coisas boas da vida - Jornal Fato
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As coisas boas da vida

Em um arroubo de felicidade e lapso de humildade, lembrei-me do título da crônica Braguiana e relato minha preferência


- Foto: Divulgação

O nosso melhor cronista, Rubem Braga, descreveu as boas coisas da vida. Eu, em um arroubo de felicidade e lapso de humildade, lembrei-me do título da crônica Braguiana e relato minha preferência, uma coisa boa: o outro lado da Ilha de Vitória. Atravessar a ponte e, durante seu trajeto, em seu ponto mais alto, admirar nosso monumento mais importante, Convento da Penha, e deslizar pelas areias da Praia de Itapuã. Com calma, e um final de semana, pensei nas outras coisas. Mesmo sem o açúcar, o doce, que o diabetes não me permite mais. Ainda assim, uma boa coisa é comer bem: não só matar a fome. Mas, a arte da degustação. Claro que, esse item, não é novo, nem original. Charles Dickens, escritor inglês, já alertava em Um conto de duas cidades, romance histórico, tendo como tema o povo revoltoso e faminto na revolução francesa. Descreve o risco dos novos ricos ingleses e sua revolução industrial padecerem do mesmo destino que anos antes sofrera a aristocracia francesa. Também não é novo o discurso, tão insistente e crônico e ineficaz, em Brasília, pelo fim da fome. É verdade ainda que, os governantes e congressistas, certamente, estariam pensando nos sabores e odores de uma boa culinária. Porém, a política os leva a falar na urgência do ronco gástrico.

No sábado, pela manhã, em dia ensolarado, com a fome saciada, e bem próximo do fluxo e refluxo das ondas do mar de Itapuã, junto de suas areias brancas e finas, e nas sombras de suas castanheiras, lembrei-me de um lugar ameno: um assento na praça de um shopping. Uma cafeteria, uma mesa e um livro. Momentos de leitura e profunda concentração, ainda que as crianças, em sua inocência pueril, tornem seus gritos, uma tentativa de tormento. Na leitura nos transportamos para lugares longínquos. Uma meditação profunda. De tempo em tempo uma rápida observação dos transeuntes. Nada disso foi escrito pelo nosso melhor cronista, suas boas coisas da vida, não incluíam o shopping. A modernidade e as mulheres nos empurram para a grande urbe e suas lojas. Um bom livro de capa dura, uma boa história, e pronto, estamos salvos e livres. Livres para o sorvete da esquina, mesmo que o doce do shopping não seja tão doce e o substituto do açúcar, o adoçante, tenha sido alvo de ataques negativos.

Voltando a Cachoeiro, uma boa coisa é admirar o rio Itapemirim preenchido em todo seu leito, logo após as chuvas. Não muito alto em seu nível, o bastante para produzir o barulho forte das águas correntes de encontro às pedras. Mesmo sem as chuvas, neste inverno, as aguas do Itapemirim encontram-se mais claras, uma beleza rara, algo que não evidenciei desde a última grande enchente. Suas aguas se assemelham a uma grande nascente. Algo que nos enche de esperança. Uma sensação semelhante a ida e vinda das ondas do mar de Itapuã. Pena que esta sensação do rio dependa, na maioria das vezes, das aguas das chuvas. Dependa do nosso padroeiro: São Pedro. De qualquer maneira, de todas as coisas boas que podemos ter, a melhor sensação, é o retorno à casa. Rever. Rever a pequena flor da varanda, se aquecer com o pequeno cobertor já gasto pelo tempo, o travesseiro... São coisas simples, mas nos fazem uma falta enorme.


Sergio Damião Médico e cronista

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