Cadê a guerreira que estava aqui? - Jornal Fato
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Cadê a guerreira que estava aqui?

Uma reflexão sobre a rotina da mulher


- Foto Reprodução Web

Exausta. Aqui está ela. Cansada, querendo colocar as pernas para cima, fones no ouvido e vinho na taça. E revirando os olhos cada vez que alguém usa essa palavra. Guerreira. Bravas guerreiras. Incansáveis guerreiras. Que mentira e que saco conviver com rótulos que nos dão ainda mais a responsabilidade de não nos sentirmos como realmente estamos. Exaustas. Dispenso o adjetivo e com ele a culpa por nem sempre me sentir disposta, pelas vezes em que apenas sigo o fluxo, pelos dias que eu gostaria muito de estar em algum lugar fresco e deserto. Fazer o que tem que ser feito não nos faz guerreiras, nos faz esgotadas. Não. Não quero ser guerreira. Não almejo esse título. Apenas parem de usar isso como elogio porque não é. Não é incentivo. Não é legal. Pelo contrário, ele vem para incitar a culpa e a sensação de fracasso quando simplesmente não aguentamos mais. Não era para precisamos guerrear pelo mínimo em pleno ano de 2022.

Quando alguém me chama de guerreira, imagino que aos olhos dessa pessoa eu, ou qualquer outra mulher que seja tratada da mesma forma, tenha aquele super poder de dar conta de tudo. Não tem problema dormir menos horas que a guerreira dá conta. Não tem problema não ter tido tempo de comer direito, de estar com calo no pé, de ter esquecido a consulta, de ter estourado o cartão de crédito, de ter se atrasado para todos os compromissos e ou de ter se trancado no banheiro para chorar baixinho por nada, mas com todo cuidado para ninguém saber que andou chorando. Mas tem problema sim. Não são forças sobrenaturais o que nos mantém fazendo mil coisas ao mesmo tempo. Ninguém dá conta de tudo, ainda que pareça ser exatamente assim. Em algum ponto entre filhos, casamento, casa, trabalho, estudo, saúde física e mental, beleza, cabelo sedoso e alimentação, nós vamos falhar. Humanamente impossível a perfeição imposta pelo termo "guerreira". Humanas muitas vezes a beira de um ataque, de uma frustração, de um "eu poderia ter feito mais e melhor", de "queria ter feito, mas simplesmente não tive tempo".

A romantização da mulher exaurida do século XXI já deu. Esse padrão de bem sucedida, saudável, magra, cabelão brilhoso, cílios, botox, peito, bunda, super mãe, esposa exemplar, inteligente, não fala palavrão, cristã, dorme tarde, acorda cedo, ama plantas e animais, militante, entendedora dos limites tênues entre o sensual e o vulgar e ainda por cima bem humorada e sempre orientada a cuidar dos hormônios que são a força da sua natureza com pílulas sintéticas criada para mascarar quem somos. Não é assim. Não pode funcionar assim.

A força de sempre que às vezes faz o dia ter 30 horas e essa necessidade latente de salvar o mundo não precisa ser guerra. E não queremos que seja. Uma mulher forte não precisa sentir ainda mais o peso de ser quem é. Às vezes ela só precisa de um 'obrigada por ter feito isso por mim". Um "vem cá me dá um abraço", "obrigada por cuidar de nós", "deixa que eu faço isso", "durma mais um pouco", "você é talentosa", "não tem problema não ter dado tempo", "deixa para amanhã", "tenho orgulho de você".

Dispensando rótulos e romantização da exaustão, sigamos tentando nos equilibrar entre ser e fazer o melhor e cometer erros. E tudo bem.


Paula Garruth Colunista

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