Cheiros da Vida - Jornal Fato
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Cheiros da Vida


Dia destes, lá estava ela, de pés descalços, barriga de fora, com cheiro de barro, trepada em pé de carambola, de manga, comendo cajá verde com sal e brincando de bola de gude (caçapa) no quintal. Nos fins de semana, fechava a rua, o que hoje é impossível devido ao fluxo de carro, para jogar queimada, andar de bicicleta e, quando a chuva enchia o local trazendo o caos para os moradores, da janela de seu quarto, achava o máximo ver a rua tomada pelas águas. Doce infância que muitos jamais experimentarão.

Por morar em um prédio familiar não faltavam brincadeiras e confusões. Assim, a infância se construiu na experiência do convívio com o Outro, o que lhe ensinou o amor e o perdão, este, às vezes, ainda um necessário desafio.

Como num piscar de olhos, muda-se a fase. Já não tem o mesmo cheiro da infância, o corpo agora coberto, os modos alterados, mas, na alma, a mesma meninice, um pouco mais amadurecida, de outrora. Surgem os primeiros amores, as primeiras decepções e alguns dos amigos que, por toda vida, mesmo que cada um siga o curso de suas próprias experiências, estariam ao seu lado, por perto ou nas lembranças do coração.

Como a terra, que não deixa de girar, a vida segue seu rumo e se veste de uma nova experiência, o cheiro da infância ganha outras fragrâncias e se mistura com o perfume que exala das novas experiências com trabalho e com a primeira faculdade. A poesia entra em seu coração e as cores revelam-se mistas de superações e de momentos indescritíveis ao lado de professores jamais esquecidos, de amigos queridos e do amor que, surgido nessa ocasião, se tornou companheiro e deu novo significado a vida daquela, outrora menina, que via o tempo passar e que viu o primogênito nascer quase no mesmo instante que os primeiros filhos de amigos valiosos. Contudo, carregava em si muitos dos sonhos e das limitações do dia anterior, dia que há cerca de duas décadas já havia se passado.

Novos cheiros, sons e cores dão à vida uma roupagem mais social com a segunda faculdade, período em que viu a família crescer com o nascimento da caçula.

Após um instante a mais, as lembranças passam a remetê-la há 20 ou 30 anos, mas, no peito, carrega a certeza de que todos têm em si uma essência, uma fragrância, que lhes segue por toda a vida, ora adocicada ora amarga, o que é necessário, mas com a sempre presença do cheiro da alma que não envelhece nunca.


Dayane Hemerly Repórter Jornal Fato

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