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A fotografia de capa da revista O Cruzeiro, provavelmente do mês de setembro de 1961 exibia um garotinho de quatro ou cinco anos


A fotografia de capa da revista O Cruzeiro, provavelmente do mês de setembro de 1961 exibia um garotinho de quatro ou cinco anos montado em um barril, com chapéu, botas e esporas, como que a cavalgar. Ele estava na Granja do Torto, residência oficial da Presidência da República, e a manchete era O Novo Lar de João Vicente.

As informações são do meu pai, de 82 anos, que tem uma memória privilegiada quanto a detalhes importantes na construção de Brasília. Afinal, ele foi testemunha ocular da história. João Vicente era filho do então presidente João Goulart, eleito em 1961 e deposto pelo Golpe Militar de 1964.

Ele se lembrou disso ao descobrir que aquele garotinho é agora candidato a presidência. Eu nem sabia desse detalhe da filiação, já que tenho me recusado a assistir programas eleitorais, a ler notícias e a desfrutar da cultura do ódio que impera nas redes sociais. Leio apenas fragmentos cá e acolá. E de forma bem seletiva.

Realmente uma imagem vale mais que mil palavras. Tanto que 57 anos depois esta especificamente está bem gravada na memória do meu pai. Por ora, a que está dolorosamente fixada na memória do país é a do Museu Nacional em chamas. Penso nos tesouros perdidos no quinto maior museu do mundo.

O assunto já até ficou velho, mas vale mexer na ferida causada pelo descaso e negligência de "nossos" nobres representantes, que agora acusam poucos partidos políticos, como se não fossem todos responsáveis e indiferentes à memória e à população do país que não faça parte do seu ciclo de amizade. Não há inocentes nesta história.  A negligência e o descaso incineraram memórias de milhares de anos.

E por falar em fogo, em abril desse ano fez 21 anos que o índio pataxó Galdino foi queimado vivo num ponto de ônibus por jovens de classe média em Brasília, que disseram tê-lo feito porque o confundiram com um mendigo, como se isso justificasse o assassinato. Enquanto houver negligência, trabalhadoras confundidas com prostitutas continuarão sendo espancadas de madrugada, no caminho para o serviço, por jovens que se acham no direito de exterminar pretos, pobres, favelados e mendigos, como que numa faxina nazista. São os mesmos que defendem que bandido bom é bandido morto. 

Com as bênçãos até pouco tempo veladas (e hoje orgulhosamente compartilhadas nas redes sociais) de cristãos que parecem esquecer os mandamentos bíblicos "não matarás" e "ama ao próximo como a ti mesmo". Ou das lições de Cristo, que estava sempre perto dos que a sociedade considerava escória, dignos de morte.

Hoje esses ditos cristãos já nem disfarçam esse desejo pelo extermínio, mesmo que as vítimas sejam aquelas por quem Jesus tanto lutou. Os pobres e excluídos. O problema da violência é real, atinge a todos nós, culpados ou inocentes, mas não se resolve com políticas de exclusão. Ao contrário, será sanada com políticas de inclusão, a partir do respeito ao princípio constitucional de que todos são iguais perante a lei. Que merecem acesso às benesses reservadas a poucos, sempre com o dinheiro público.

O maior tesouro de um país é o seu povo. E todos deveriam de fato receber o mesmo tratamento. Por hora, estou na expectativa da manchete e foto que ilustração as capas dos principais veículos de comunicação do país após a eleição. Espero que sejam tão singelas e inocentes quanto a do menino João Vicente. A esperança, definitivamente, é a última que morre.


Anete Lacerda Jornalista

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