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Vivemos prisioneiros da nossa intimidade


- Foto: Reprodução/Web

O ser humano é uma ilha (quando se esconde nos milhões de neurônios do seu cérebro). Nessa ilha: vivemos prisioneiros da nossa intimidade, dos nossos segredos e desejos. Os que ocultamos são o que movem a paixão e as mudanças no mundo. Esses, à noite, aparecem e se agigantam. Ao deitarmos a cabeça no travesseiro, ao fecharmos os olhos, queremos os sonhos que alimentam nossas vidas e aliviam o cansaço. Neles nos refugiamos. Cada um o faz e desfaz conforme a imaginação. Pode ser boa ou ruim, agradável ou não, pode mesmo ser maravilhosa, mesmo que digam e insistam que ninguém pode viver solitário. Vivemos assim: de repente o pensamento se isola, ele fugidio e com desejo de esconder-se, isolado permanece. Não consigo recriminá-lo, no fundo até incentivo, desse jeito passo parte do dia, muitas vezes alguns dias, até que o telefone, ou outro meio da modernidade e, a urgência do tempo, venha incomodá-lo. Fora a imaginação de cada um, temos aquelas ilhas que a natureza criou, não deixam de ser belas e agradáveis, nem menos desejadas. Em Cachoeiro, a Ilha da Luz foi geradora de energia no século passado, uma das primeiras do país, motivo de ufano cachoeirense. A Ilha do Meirelles conheço pouco, imagino a sensação de prazer para os que conviveram, longo tempo atrás, com o volume de águas do rio Itapemirim em seu esplendor e o barulho ensurdecedor das águas contra as pedras. O turbilhamento das águas, com seu som característico, é a batida do coração, e sinal de vida, do rio. Por isso, a tristeza em ver um rio silencioso e na falta das garças.

Digo isso porque na infância convivi com uma ilha: Ilha do Dr. Américo. Ela fica próximo ao Cais da Lenha, no bairro de Santo Antônio, em Vitória. Ao seu lado ficava o hospital para os tísicos, um dos últimos nosocômios para tratar e isolar tuberculosos no Espírito Santo. Eu ficava observando os botes e canoas que levavam pacientes e familiares para aquela pequena Ilha e seu hospital. Na ocasião nada sentia, apenas curiosidade de menino. Com o passar dos anos, já estudante de medicina da Santa Casa de Misericórdia de Vitória, experimentei a travessia do braço de mar. A travessia foi rápida, longa foi a espera até o dia de conhecer o que se encontrava naquela pequena Ilha. No interior do barco crescia a agitação da curiosidade do menino. No hospital constatei a frieza e a distância que o isolamento, pela ignorância e desconhecimento, pode provocar ao ser humano. Aquela Ilha, para aquela função, não podia continuar. Foi desativado anos depois. No exercício da medicina, adquiri crônicas do Moacyr Scliar, escritor e médico gaúcho, falecido anos atrás, membro da Academia Brasileira de Letras, gravei uma das citações: "Na medicina e no amor: nem sempre, nem nunca."  As dúvidas permaneceram; a citação pouco ajudou no meu desejo em permanecer em uma ilha. Mas, bem que podia despertar a paciência para descobrir o momento exato em que as coisas devem acontecer. Talvez assim, possamos desvendar a verdade de cada coisa. Mesmo sabendo, que é uma busca perene, pois a verdade, verdadeira em sua essência, é apenas para o nosso criador.


Sergio Damião Médico e cronista

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