Nos Desvãos da Pós-Modernidade - Jornal Fato
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Nos Desvãos da Pós-Modernidade


Nunca se produziu tantas informações no mundo como nos últimos anos. Mas, nunca vimos uma anestesia intelectual como agora. Há uma repetição de modas e costumes, de pensamentos e discursos, costurados em tecidos baratos e desgastados.

Ao ligar a TV, damos de cara com os rostos montados, em corpos moldurados em academias e dietas, que apresentam as mesmas falas alinhadas a uma vida hedonista. São cascas de frutos nada comestíveis. Triste também saber que as músicas mais vendidas evidenciam um cenário "perigoso" e superficial demais, tratando, muitas vezes, o amor e a mulher como mercadorias de supermercado e promoções de shopping.

Nossos jovens, possíveis leitores, preferem passar seus dias postando em redes sociais suas ideias mal alinhadas em uma língua distante do que poderia se conceber como a língua portuguesa, tão amada por Pessoa, Drummond, Lispector, Adélia e companhia. Não sou contra o "internetês", que fique claro, mas a favor de um discurso eficiente.

Nas escolas, identificamos um desgaste intelectual. Os alunos ditam palavras, sem saber lê-las. Não reinventam discursos nem inauguram opiniões acerca de um tema, uma situação-problema tão presente em seu cotidiano. Não conseguem significar o que acabaram de "ler", em contrapartida, repetem, com veemência, o refrão de uma música que, olhe lá, tem dois versos e uma rima "coração com paixão".

Quando navegam neste imensurável mundo virtual, olhando diferentes discursos, não conseguem emitir uma opinião concreta sobre aquilo que viram; se perdem entre figuras de corpos sarados, "posts" sem coesão e coerência, que remetem a um marasmo intelectual ou à felicidade comprada em revista.

Nesta complexa pós- modernidade, há uma busca pelo imediatismo, pelo novo que não pode envelhecer, pela ausência de confronto, pela ausência de profundidade. As notícias disseminam-se, em milésimos de segundos, e, muitos de nós, não sabemos o que fazer com elas.

Não se consegue dialogar com as manchetes e os artigos, nem tão pouco asfaltar essa via de acesso entre a informação e o conhecimento. Parece-me que, queira eu não estar tão certa assim, embarcamos em um navio, com um mar calmo, embora profundo, sem estarmos certo da direção e sem sabermos utilizar os instrumentos necessários caso haja uma tempestade, uma fúria do mar.

Pensar exige confronto com o desconhecido, com o imponderável, com o que está bem mais à frente do que os olhos podem ver. É reinaugurar alicerces e reinventar linhas de acesso, caminhos entre o que é dito e significado.

E significar, neste período de tanta banalidade, torna-se ato corajoso. Fugir da mesmice e construir olhares, pois muitos costumam ver da mesma janela, tornam-se o desafio mais prazeroso que podemos experimentar.  Uma boa música, um bom texto, um discurso com propriedade revelam faces do melhor que podemos ser "porque a vida, a vida, a vida só é possível reinventada."*

 

*verso retirado do poema Reinvenção, de Cecília Meireles.

 


Dayane Hemerly Repórter Jornal Fato

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