O afeto nunca foi tão urgente - Jornal Fato
Artigos

O afeto nunca foi tão urgente

Terça-feira, dia 4 de maio de 2021, achei que o dia tinha terminado triste o suficiente com as mais de 411.000 mortes por coronavirus


"Que tudo é desse mundo/ surpresa também/ espinho é bem mais fundo/ destino também/ amor tá quase mudo minha voz também. Cruel é isso tudo..."

 

Sérgio Sampaio

 

Terça-feira, dia 4 de maio de 2021, achei que o dia tinha terminado triste o suficiente com as mais de 411.000 mortes por coronavirus, crianças e professoras mortas a golpes de facão em uma creche, CPI da covid, as famílias dos meninos desaparecidos em Belford Roxo ainda sem respostas, as intermináveis reviravoltas do caso do Henry, falta de vacina, de medicamento, de responsabilidade, isso depois de aglomerações em massa sem o uso de máscaras em eventos que foram quase uma demonstração de apoio ao vírus e as morte. E, no meio disso tudo, a fome, meninas que faltam aulas por não terem acesso a absorventes e outros produtos de higiene, uma nova variante na India, a mãe do garoto Miguel ainda em busca por justiça, um juri composto exclusivamente por homens no caso Tatiane Spitzner. A lista é interminável e, por mais que a gente ache que se manter alienado de vez em quando é melhor, a dor do outro é impossível que não me afete. No dia que isso acontecer, meu coração terá deixado de bater. E quando a gente chega no limite da exaustão, porque no Brasil tem sido complicado ter um dia de paz, Paulo Gustavo parte. Logo ele que sempre entrou na casa da gente para trazer risos. Logo ele que tomou tantas precauções. Logo ele que tinha filhos pequenos. Logo ele e tantos outros como ele. E ele bateu forte na dor porque era uma dessas pessoas que fez tanto bem, que trouxe tanta alegria, que arrancou tantas gargalhadas, que tínhamos aquela impressão de um irmão, um tio, um amigo querido e próximo. Na comédia do mundo inteiro o sorriso nunca mais será o mesmo. Ficou nesse tipo de entretenimento um traço de melancolia.

Nessa estatística louca que não para, pessoas estão morrendo de um mal para o qual já existe vacina. O tratamento da água e as vacinas revolucionaram o mundo e, sem essas duas coisas, a humanidade estaria extinta. Todas aquelas vacinas recusadas, alvos de piadas de jacaré, motivos de chacota por quem deveria nos proteger, são as únicas armas que deveríamos ter, mas não temos. Deveriam ser a nossa proteção, mas não são. A ciência salva, o SUS salva, a ignorância impede. São números com nomes, família, sonhos e planos que retratam o fracasso de uma nação.

Paula Gustavo parte na semana das mães, e ele, apaixonado pela mãe dele, de um amor tão imenso, que a transformou em arte, e, mais que isso, em arte que faz rir, foi antes dela. E eu não consigo sequer mensurar o tamanho da dor que ela tá sentindo, a falta de chão, o tamanho do desolamento. Todas nós, mães, somos um pouco de Dona Hermínia. Talvez, por isso mesmo sentimos muito, sentimos tanto ao ponto de chorarmos baixinho diante das notícias, das homenagens, dos aplausos. Uma dor que aperta e faz refletir sobre o quanto somos frágeis. Mas antes a fragilidade do nosso choro do que a maldade de quem se diz cristão e já se acha acima do bem e do mal, julgando e condenando Paulo Gustavo ao inferno. Isso acontece quando a gente acha que não tem como o ser humano cair mais. Parece que a parte de amar ao próximo vem sendo esquecida. Ou de cuidar da própria vida, ou de achar-se tão bom e tão perfeito e tão sem pecado, mas esquecer de, ao invés de julgar, orar para que todos sejam absolutamente santos como ele. São tempo difíceis. Se nem quem prega o amor ama, o que será que vem adiante? A morte dele me fez chorar por tudo que eu havia segurado nos últimos meses. Que não seja em vão. Que venham vacinas, uso consciente do que pode nos manter seguros e, acima de tudo, mais amor e mais respeito, por quem foi e por quem ficou. Famílias partidas, sonhos interrompidos e dor são para gerar empatia. Tirem o ódio do caminho porque o afeto nunca foi tão urgente.

 


Paula Garruth Colunista

Comentários