O rio, o bêbedo e o louco - Jornal Fato
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O rio, o bêbedo e o louco


O Itapemirim, em domingo pela manhã, encontra-se diferente. Mais ainda no outono. Nesta estação suas águas tornam-se claras, límpidas, desaparece o teor barrento. Ao redor do seu leito uma leve brisa, um frescor aliviador e o sol aconchegante de encontro ao corpo. O leito preenchido, fruto das cheias do verão, completa a beleza do rio. Procuro o Itapemirim a partir da Ponte de Ferro, ele segue cortando a cidade e eu em direção à Ilha da Luz. A cidade nasceu do rio, vive em função do seu rio, o rio é seu passado e dele depende seu futuro.

O bêbado encontrava-se logo abaixo da ponte. Era bem cedo e apesar do dia claro, do sol e das águas límpidas do rio, ele permanecia imóvel, respirava calmamente como uma criança em um leito materno. Os transeuntes apenas observavam e nada comentavam. Ele permanecia deitado, em sono profundo, aparentemente tranquilo. Invejei a tranquilidade do deitar. A agitação do meu sono noturno deixara marcas nos lençóis. Logo despertei do sentimento, ao perceber o concreto frio, duro e sujo sob o corpo. Segui em minha andança, segui indiferente, como o restante das pessoas, e assim, também, seguiu o rio. Indiferente e em silêncio, naquele trecho, próximo à Ponte de Ferro, suas águas silenciam. A natureza em silêncio pelo abandono e desprezo por uma vida humana.

Segui a caminhada. Virei o rosto em direção à Praça de Fátima, um homem forte e alto se destaca, logo percebo que falava em alto e bom som, gesticulava bastante, mesmo com o silêncio do rio e os poucos carros pela Avenida, as palavras soavam sem nexo, nada entendia. Em instantes percebi, tratava-se de um alienado. Seguimos em direções opostas. Segui à beira do rio, margeando seu leito, busquei os ruídos de suas águas, observei as pontes menores bem à frente, ainda que de concreto, formavam uma imagem apaziguadora. Busquei o entendimento das coisas, um raciocínio lógico, e ele seguiu seu destino, seguiu a mesma direção do rio, em busca do mar. Caminhava sozinho. Solitário como todos nós.

De tudo que vi naquele início de manhã, em um domingo de outono, o que mais me incomodou foi a visão do louco, do solitário alienado. O rio seguia uma direção, parecia indiferente e assim permaneceria. Eu o veria outras vezes, poderia vê-lo de outra forma, dependeria do dia, das chuvas, eu poderia escolher. Depende da intervenção do próprio homem, ele pode ser salvo, não desaparecerá se cuidarmos; o ébrio, quando retornei, ele não se encontrava mais, podia estar em algum beco, alguma esquina, em algum bar de nossa cidade, ou quem sabe, em alguma sala dos Alcoólicos Anônimos (AA) e salvo socialmente. Não depende de mim, não depende de nós, depende dele mesmo; mas, o louco seguirá com a mente vazia, um andarilho em meio à cidade, uma cidade de concreto, cada vez mais indiferente. Sofrerá o abandono, mesmo não desejando, mesmo não entendendo. Quem sabe o encontrarei caído após dias de gestos e palavras desajustadas e ao vento.

 

Sergio Damião Santana Moraes

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Dayane Hemerly Repórter Jornal Fato

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