Pâmelas e Lauras: perdão - Jornal Fato
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Pâmelas e Lauras: perdão

Para Pâmela Vitória Soares, jovem de 23 anos, a tarde do último dia 14 de agosto transcorria como outra qualquer


Para Pâmela Vitória Soares, jovem de 23 anos, a tarde do último dia 14 de agosto transcorria como outra qualquer. Sentada em casa, sentindo a vida, que há 07 meses era gerada em seu ventre, ao lado de sua sobrinha de apenas quatro anos, assistia tranquilamente sua TV.

A rotina seguia seu curso natural quando, ao ouvir disparos de tiro, por instinto, empurrou a sobrinha no chão, mas, de dentro do seu lar, ambiente que nos inspira proteção, foi vítima de bala perdida. Atingida na cabeça, não resistiu.

Não só Pâmela teve seu lar violado. A pequena Laura que, até aquele momento, vivia no aconchego do ventre materno, precisou num impulso desumano ser retirada. Forte criança! Já nasceu lutando pela sobrevivência, mas, tamanha a dor e tão grande o medo de encarar esse mundo, que lhe ceifou o direito de experimentar o amor materno, que preferiu partir para junto da mãe na tarde do dia seguinte.

Laurinha teve que buscar forças dentro de si própria para sobreviver, ao menos, por horas. Contudo, estava sozinha e sequer tinha 09 meses de vida intrauterina, logo, como suportaria o trauma repentino que sofreu! Que mundo é esse! Ora, ainda nem deveria estar por aqui e já foi obrigada a lutar pelo direito de existir, mas, nessa luta, não teve tempo de se fortalecer ou não teve coragem para vencer.

Essa inaceitável quebra de rotina e extração de vidas, não pode mais existir. Apesar disso, diariamente o Brasil se depara com Pâmelas e Laurinhas. Contudo, quantas mais existirão?

Lamentável a dimensão crescente da violência em nossa pátria, um dia amada, que chega, repentinamente, dentro de nossas casas, apesar de fechadas pelo medo. A brutalidade havida nos tem gerado dores físicas e emocionais; nos tem adoecido e limitado o direito de ir e vir. Além disso, esse contexto, por vezes, nos dá a crença de que viver com medo é o normal, o que é outro absurdo.

Faz alguns dias, conversando com uma pessoa sobre a diferença existente no Brasil e em outros países no quesito violência, a resposta que tive foi a seguinte: "todo lugar é igual; não existe local no mundo onde podemos ir fazer compras, ir ao banco ou ficar com as portas de casa abertas sem o medo de sermos a próxima vítima". Calada, meus olhos se abriram para a seguinte realidade que se revela em muitos cidadãos, às vezes, em mim mesma:

- Ficar com o coração apertado ou com o estômago queimando todas as vezes que entramos em um banco após as 18h00; ou sempre que saímos de casa, especialmente, a noite; bem como andar pelas ruas ansiosos pelos risco de sermos furtados ou roubados a qualquer momento, é o normal.

Assim, se é normal conviver com a violência, não nos incomodamos, ao menos a ponto de gerar uma real mudança de comportamento, com os fatos dela consequentes. Afinal, sempre acreditamos que os nossos amados serão poupados.

Contudo, só quem já viu de perto a violência ou teve um ente querido precocemente levado, sabe que ninguém é isento de se tornar uma Pâmela ou uma Laurinha. Assim, nossa indignação não pode se resumir a uma simples tristeza, mas é preciso que cobremos justiça e segurança como se essas vítimas fossemos nós próprios. Afinal, um dia poderemos ser nós, mas espero verdadeiramente que não. Afinal, já basta de lágrimas.

Enquanto isso, ante as dores que não podem mais serem prevenidas, pois já consumadas, que Deus conforte o coração dos familiares dessas novas duas vítimas. Igualmente, que console tantos outros corações também alcançados pela violência que assolou o estado na última semana e que desperte em nós uma indignação real. Tão real que nos impulsione a sair de nossa zona de conforto - não tão confortável assim - para lutar pela extinção desse quadro de violência no Brasil. Violência esta que se intensifica vergonhosamente no nosso Estado que, de Espírito Santo, só tem o nome, pois, de santidade não revela nada.


Katiuscia Marins Colunista/Jornal Fato Advogada e professora

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