Recordar é viver - Jornal Fato
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Recordar é viver


Recebi o convite que aguardava há anos. Já estava me preparando, psicologicamente, para retornar as minhas raízes. Sem o convite talvez fosse de oferecida, o importante era voltar. Fui criada na roça, num sítio simples porém repleto de frutas, flores e animais. Meus pais, de origem italiana, tinham uma relação de muito amor e cuidado com a terra, o que foi transmitido a todos os filhos. Como viviam do que a terra produzia, meu pai já cansado decidiu, em sua velhice, vender o sítio. Como ninguém da família tinha recursos para compra-lo, a venda foi feita a um amigo. Todos nós sentimos muito, mas com o dinheiro da venda meus pais puderam ter um final de vida com conforto.

Passaram-se os anos e um dia, já adulta retornei ao sítio para pegar mudas de uma manga especial, que só tinha lá, meu pai trouxera as sementes de longe, dizia que dá Bahia. Tive muita decepção, o jardim já não existia, a casa estava abandonada e não correspondia àquela que deixara na minha infância. Entrei nos cômodos e não entendi como uma família de gente tão grande coubera naquele espaço. O pomar se mantinha, os animais desapareceram. Saí de lá com a convicção de que não mais retornaria. Mas algo dentro de mim me impulsionava, tinha sonhos recorrentes da minha infância naquele local.

Daí a minha emoção quando me chega o convite, alguém já me informara que o sítio estava tratado depois que o filho e herdeiro do proprietário assumira o local. Do dia que recebi o telefonema até a data do reencontro pensei muitas vezes em como seria esse retorno. Realmente foi emocionante. A casa antiga fora derrubada e outra construída, moderna, adequada, bonita, repleta de varandas no contato direto com a natureza ao redor. Fomos ao pomar, e as lembranças de décadas passadas continuavam vivas em mim. Fui reconhecendo todas as árvores plantadas por meu pai, dezenas de jabuticabeiras, mangueiras, jaqueiras, abacateiros, mexeriqueiras, coqueiros, abieiros, entre outras, todas localizadas exatamente como as vejo nos meus sonhos e recordações. Lembrei-me que na época da colheita das jabuticabas, vinham famílias de longe, com seus filhos, se deliciarem com as frutas. A emoção se misturou a nostalgia e não tive forças para continuar a caminhada pela terra da saudade. Gostaria de retornar ao local com meus netos, vontade de resgatar junto deles a história dos antepassados. Quem sabe recebo outro convite, de preferência na época das jabuticabas?


Dayane Hemerly Repórter Jornal Fato

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