Rita partiu - Jornal Fato
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Rita partiu

Hoje quem partiu foi Rita. Rita Lee, que embalou tantos momentos e tantas coisas desde a minha infância que seria impossível numerar.


- Foto: Guilherme Samora/MSI

Quando Gal morreu eu pensei em escrever. Uma semana antes de sua passagem eu estive na casa da minha filha e tinha um vinil antigo que passou pelas gerações da família e estava ao lado da sua vitrola, e me deu saudade de um tempo em que não pulávamos nem escolhíamos muito, apenas deixávamos o disco rolar. Depois disso eu quis escrever, mas não tive tempo, e minha escrita e meu choro ficaram para depois. É imperdoável que façamos isso com a gente. Medicar a tristeza, sufocar o luto, chorar só quando a porta estiver trancada. A ditadura da felicidade constante é bizarra.

Hoje quem partiu foi Rita. Rita Lee, que embalou tantos momentos e tantas coisas desde a minha infância que seria impossível numerar. Desfilando por diversos ritmos, épocas, atravessando gerações e causando emoções, ela foi nada menos que revolucionária. "A sorte de ter sido quem sou, de estar onde estou, não é nada se comparada ao meu maior gol: sim, acho que fiz um monte de gente feliz". Esse trecho de sua última biografia (tem outra novinha que será lançada esse mês) fala muito sobre ela. O que ela não sabia, talvez, é que continuará fazendo, porque suas obras são atemporais e eternas. Muitas outras linhagens e descendências terão a sorte de herdar, ouvir, cantar e embalar grande momentos ao som da rainha desse tal de rock in roll.

Ocorre que hoje eu não quero fingir que não estou profundamente emocionada, nem ouvir frases do tipo que foi melhor assim ou que ela não era uma pessoa próxima a mim ao ponto de que eu sinta tanto. Porque acontece que eu sinto. Sinto tanto e sinto muito. Até a franja, que tenho desde criança, era uma homenagem discreta a ela. Dipenso as frases feitas ou quem tentem minimizar meu pesar. Eu choro por Rita como aquela amiga próxima, que eu admirava a sagacidade, que eu queria ser igual na  capacidade de ser vanguarda, bati papo, ouvi a música alta na frente do espelho e cantava usando a escova como microfone.  Sempre elogiei as bandas que tocavam suas músicas, e tive a oportunidade de falar sobre isso com alguns músicos no início desse ano.

"Gosto de mim, mas não é muito confortável ser eu". Era assim que ela se sentia, e é exatamente assim que eu me sinto. Talvez seja o principal ponto dessa grande empatia. Sair da zona de conforto e ser de verdade quem a gente é, sem vergonha de dizer o que pensa, sem a bola de neve da mentira, tira muitas vezes o conforto, mas dá orgulho e a imensa satisfação do auto afeto. Amanhã, talvez, eu esteja preparada para voltar a ouvir suas músicas enquanto cuido das plantas ou preparo uma refeição. Amanhã. Hoje não. Hoje eu não consigo, e não vou lutar contra isso. Aprenderei a voltar a viver obedecendo minhas humanidades.


Paula Garruth Colunista

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