Ser ou não ser - Jornal Fato
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Ser ou não ser


"QUE VAI SER quando crescer? Vivem perguntando em redor. Que é ser? É ter um corpo, um jeito, um nome? Tenho os três. E sou? Tenho de mudar quando crescer? Usar outro nome, corpo e jeito? Ou a gente só principia a ser quando cresce? É terrível, ser? Dói? É bom? É triste? Ser: pronunciado tão depressa, e cabe tantas coisas? Repito: ser, ser, ser. Er. R. Que vou ser quando crescer? Sou obrigado a? Posso escolher? Não dá para entender. Não vou ser. Não quero ser. Vou crescer assim mesmo. Sem ser. Esquecer".

Os poetas, ao mesmo tempo em que encantam, põem o dedo na ferida e fazem nossas as suas licenças poéticas, dúvidas e dores. É por isso que a precisão cirúrgica (metáfora nada poética, eu sei) de Drummond no poema provoca a sensação de identidade, ou de exclusão, num mundo em que temos escolhas e opções, mas precisamos pagar o preço por elas.

O que é ser? Eu tenho o direito a não ser, de encolher, de crescer escolhendo esquecer? Posso ter todas as dúvidas? Crescer dói? Quanto? Por quanto tempo? Passa? Sozinha ou acompanhada? Feliz ou infeliz? Em que ritmo? 

Mais que isso: o que cabe na existência, que pode ser longa ou breve, medíocre ou extraordinária, discreta ou extravagante, profunda ou superficial, significativa ou rasteira, nobre ou canalha? Dá para não escolher? Ou é preciso fazer a escolha de Sofia, deixando dores e muitos pedaços pelo caminho?

Dá para esquecer quem somos, apagar o passado, desentender, desquerer, desmudar, desprincipiar, desescolher? Esses são questionamentos para os poetas, daqueles bons, da antena delicadíssima. Não para os pobres mortais que por vezes não conseguem externar sentimentos. Do ponto de vista da literatura, seriam o que minha vó diria que não fazerem o "o" com o fundo do copo. 

Aparentemente insensíveis e ignorantes, embora também sofram e possam captar pedaços de dores do mundo e morrer de dores alheias. Sem externar a fragilidade e delicadeza, simplesmente por falta de habilidades para tal.

Então se o bom uso da palavra é de fato uma arte, e comunicar-se como o poeta um desafio, e se "poesia não é bem literatura", é possível, ainda que tardiamente, expressar ideias e sentimentos contraditórios ou não, sublimes ou simples, mesmo que escolhamos não ser? Temos esse direito ou ele nos será negado?

Quer saber? Eu não tenho as respostas. Talvez nunca as tenha.  Plagiando mais uma vez o grande poeta, "lutar com palavras/é a luta mais vã/entanto lutamos/mal rompe a manhã". 

Então, se é assim: "Repito: ser, ser, ser. Er. R. Que vou ser quando crescer? Sou obrigado a? Posso escolher? Não dá para entender. Não vou ser. Não quero ser. Vou crescer assim mesmo. Sem ser. Esquecer". 

Não preciso mudar, ter outro nome ou outro jeito.  E se tem uma coisa que aprendi ao longo da vida, é que eu posso escolher. E cá para nós, isso não tem preço. Por hora, não quero crescer, mas não abro mão de viver intensa e apaixonadamente. Sim eu posso.

 


Dayane Hemerly Repórter Jornal Fato

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