A casa e o mundo - Jornal Fato
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A casa e o mundo


Um homem está prestes a viajar. Na mochila surrada leva apenas o necessário para a travessia: o seguro saúde pago rigorosamente em dia. Pela primeira vez parte para uma viagem sem roteiros e data de chegada. O homem vai deixar sua casa, a segurança do repouso e da individualidade, para buscar a intimidade com o mundo. Vai desenclausurar-se.  No interior da casa, onde foi cultivado, ficaram todas as coisas à sua espera: os móveis de três gerações, as fotografias dos que também estão em viagem e a história intacta de uma dor não esquecida. Este é um personagem de planície, acostumado à imensidão, ao horizonte e protegido pela própria existência.

 

A casa é generosa com o homem. Suas paredes são de particular familiaridade, têm os traços de todos que por ela passaram. Riscos, rabiscos, marcas de mãos... brincadeiras de crianças, travessuras dos cães e declarações de amor. A proteção das paredes sugere um sentimento quase juvenil de eternidade das coisas, das pessoas e sentimentos. O jardim é mantido com o mesmo olhar de quem o fez. A roseira perto da varanda protegida por uma pequena tela, afastando-a da cobiça dos insetos. Margaridas acompanham os visitantes até a porta de madeira por onde todos obrigatoriamente têm que passar. Em casa, o homem está em busca de algo que ainda não o encontrou. A estranheza do mundo o apavora porque ainda não está refeito. Está longe de si.

 

Dentro de pouco tempo o viajante vai conhecer novas paisagens e personagens, na tentativa de trazê-las ao pertencimento de sua própria história. Qual o seu lugar no mundo? Vai saber quando retornar deste deslocamento inevitável com novas sensações e sentimentos e se aconchegar às antigas imagens e à intimidade da casa. Dessa vez sem os ecos da existência. Nesse repouso, o homem se afasta de todos os cenários de envolvimento, vivendo a sozinhez que vitaliza e alimenta sua relação com o mundo. O caminho é para o homem o recomeço de sua autoria sobre a vida, o tornar-se vivo e pronto para um existir com sentido e força.

 

Viajar faz parte da natureza de toda pessoa, ainda que ela se aborreça com as intempéries do caminho: frio, calor, barulho, silêncio. Experimentar a temida distância e o incômodo desabrigo que nos quebra a arrogância do pensar que já vimos tudo, sentimos tudo. O homem vai encontrar seu oposto para então dar valor ao seu abrigo.


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