A velha casa - Jornal Fato
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A velha casa


Não é sobre perdas, nem da dificuldade de aceitá-las e não olhar mais para trás. Apenas seria cruel dizer que é fácil jogar ao chão paredes repletas de histórias e que por décadas vigiaram o sono dos meninos, agora crescidos, abrigando-lhes nas noites chuvosas e dos temporais que por pouco não destelhavam a velha casa no alto do morro. 

 

Derrubar aquela casa dói tanto quanto se despedir de quem um dia morou nela. Pisar em suas tábuas soltas e ouvir, num sussurro no ouvido, a avó dizendo: "cuidado, menina, pra não pisar nesse buraco aqui!". Dói ver seu quarto vazio com as janelas abertas, com o coração em sobressalto à espera de que a primeira parede desmorone e nada mais reste daquele passado feliz.

 

Meu avô batia no peito com orgulho ao dizer que havia construído aquela casa de tijolos, barro, telhas francesas, janelas e piso de madeira. Apenas a cozinha é de cimento, revestido por uma cera vermelha, que aos sábados minha tia encerava com as mãos e os pés. Como a casa nunca teve forro, ficávamos mais próximos do barulho da chuva e do uivo dos ventos. Eu tinha medo e minhas irmãs e primos também. Mas, como era bom dormir na casa dos avós! Para amanhecer perto deles enfrentávamos os temporais nas madrugadas de verão e o vento frio que escapulia entre as telhas e as janelas de trinco. E de dormir ora em colchões de palha, ora em esteiras no chão. Aquela casa sempre nos recebeu com simplicidade e amor.

 

Agora a vejo tão debilitada, se arrastando para não cair, para não ser vencida pelo tempo. Observo cada canto dela e finjo achar natural que tudo acabe. Faço de conta que é mais uma coisa que tenho que deixar para trás e guardar o que foi bom, o que me ajudou a crescer e ter laços infinitos. Tento entender que os ciclos se fecham para outros começarem e que é momento de desapegar, deixar que a velha casa cumpra seu destino. 

 

As perdas nos mostram o quanto devemos aproveitar melhor o tempo, ainda que com todas as suas intempéries. É apenas uma casa, você pode pensar. Mas não, é tudo o que aconteceu dentro dela. Por isso as lágrimas da minha tia, a última guardiã da casa e de nosso passado nela, sem forças para manter de pé uma construção tão antiga, repleta de histórias e também de cupins.

 

Mesmo que nada mais dela reste, ainda será possível lembrar do cheiro dos bolinhos de chuva vindos da cozinha e da tia, tão zelosa e querida, reunindo os sobrinhos todos à sua volta, num sábado chuvoso, na infância feliz numa velha casa do Morro da Palha. 

 


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