Ativismo na literatura - Jornal Fato
Colunistas

Ativismo na literatura


"E aí, moça, tá escrevendo o que?", é a pergunta que Evandro Moreira me faz sempre que a vida nos agracia com um encontro. Dez anos se passaram desde que lhe apresentei meus primeiros escritos, com a insegurança comum de um aprendiz diante de um mestre. Não me lembro se foi conto, crônica ou poesia. Sei que dali em diante boa parte do que escrevi passou por suas mãos e sua avaliação, e mesmo nos momentos de ausência das palavras, cobrou minha dedicação àquele ofício que, eu bem adivinhava, não conseguiria me distanciar dele por muito tempo.

 

Falo de Evandro para não citar todos os outros nomes tão importantes quanto ele quando o assunto é lutar por algo ou uma causa - no caso, a literatura -, em tempos de tanto individualismo e vaidades. Evandro é a síntese da busca por uma sociedade leitora, com capacidade de se reconhecer no mundo, de ampliar conhecimentos, debates e criticidade diante dos desafios. São quase cem livros publicados e outros quase cem inéditos à espera de apoio e patrocínio. Uma vida inteira dedicada aos livros e à promoção da leitura.

 

E como todo mestre, Evandro conduziu a muitos para o mundo da literatura, desengavetando escritos e encorajando muitos leitores aficionados a saírem de suas conchas e contarem suas próprias histórias. Assim aconteceu comigo. E como num ciclo do bem que nunca se fecha, vamos aprendendo a também abrir caminhos para outros narradores e contadores de histórias, escondidos em salas de aula, bibliotecas, repartições públicas, filas e pontos de ônibus. A qualquer momento podemos ser surpreendidos por um personagem a nos contar um sonho, falar de um medo ou relatar uma intriga. Tudo que pode virar literatura.

 

Quando alguém tem o poder de nos privar do conhecimento, sempre teremos a alternativa da leitura. Ela está nas bibliotecas públicas e particulares e em projetos realizados por quem tem interesse que a censura não tenha voz. Porque lutar nem sempre é brigar, discutir e ocupar. A semente do ato de pensar pode ser espalhada todos os dias de forma simples e ininterrupta. Mas para isso é preciso pensar coletivamente, de forma a formar 'discípulos' com uma nova consciência sobre a continuidade da missão: formar novos leitores e potenciais escritores.

 

Mia Couto, poeta, biólogo e jornalista moçambicano, escreveu: "A falta de domínio da técnica não deve ser um impedimento para continuar, não deve ser a morte do sonho", lamentando que um dos locais onde mais se desencorajam a escrita sejam justamente as escolas. Talvez seja por aí que devemos começar o ativismo, não nos esquecendo de que, no final, ganham a literatura e todos os que fazem dela a vida por escrito.


Comentários