Há poucos dias Toquinho reclamou num jornal de São Paulo: "não há mais poetas no país". Curiosa, fui a ler a matéria em que o cantor, com 50 anos de carreira, demonstra preocupação no surgimento de novos poetas num cenário político e econômico tão desfavorável. Meu caro Toquinho, autor da minha infância, se não são nos tempos de partidas, apatia e desesperanças que nascem os poetas? Tive de discordar.

 

"A poesia nasce do espanto", como diz Ferreira Gullar. Do que ainda não sabemos e precisamos descobrir. E o poeta tem essa missão: de recitar, traduzir o sentimento das pessoas. De entregar-lhes prontas as descobertas da vida, sem lhes tomar os mistérios que a poesia tem que ter.

 

"Onde está a poesia? Indaga-se por toda parte. E a poesia vai à esquina comprar jornal", diz um verso de Gullar. O poeta namora, briga, sofre, chora. Vai à feira, troca pneu. Perde o emprego, xinga no trânsito. Vai a cerimônias e ao chorinho na praça. Faz sonetos e cozinha para os filhos. Tem ritmo, musicalidade, silêncio. Muda de casa, seu cotidiano, o país. O poeta nunca perdeu voz. O livro pode ser incinerado, o autor desprezado, mas a poesia atravessará gerações. Será reescrita sempre que a voz latente incomodar.

 

Vejo poetas do cotidiano nas esquinas. Gente com o coração "aos pulos" e constantemente postos à prova. A voz teimosa a sussurrar medos, angústias, indignações. Há quem diga que poesia é coisa perigosa, melhor deixar pra lá. Num mundo de exposição de ideias grossas e desbocadas em redes sociais e grupos de WhatsApp, numa efervescência sobre o nada, por que se aventurar na formalidade da poesia?

 

Simples, porque poesia salva. Mais que um exercício terapêutico, ler e escrever poesia são um convite à mudança, à viagem e ao novo. Se o tempo não está para palavras honestas, de rimas simples e versos de gratidão, façamos um novo tempo. Na canção "Como Dizia o Poeta", de Toquinho, diz: "Quem já passou por essa vida e não viveu, pode ser mais, mas sabe menos do que eu. Porque a vida só se dá pra quem se deu, pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu."

 

Poetas continuam por toda a parte, meu caro Toquinho. Não tem faltado solidão, exílio, censura e tragédias cotidianas. Daí minha discordância quanto ao cenário pessimista. Não nos esqueçamos que poeta é primeiramente uma profissão de fé.