Em favor da ASCOMIRIM e Catadores de Lixo - Jornal Fato
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Em favor da ASCOMIRIM e Catadores de Lixo


 

Venho falando há algum tempo sobre o lixo em Cachoeiro de Itapemirim, sempre sob viés de que lixo, hoje, é riqueza, se devidamente explorado e tratado, riqueza que pode se estender principalmente aos desempregados e aos cidadãos e empreendedores locais com coragem para meter a mão na massa.

 

Em agosto, se não me engano, em reunião na Câmara Municipal de Cachoeiro, com presenças do Ministério Público Estadual e da ASCOMIRIM - Associação de Catadores de Materiais Recicláveis do Município de Cachoeiro, além de vereadores e de outras autoridades (reunião promovida pela ADERES, órgão estadual), presenciamos uma série de manifestações interessantes sobre o futuro daquilo que antigamente era só lixo.

 

Falou-se claramente da reciclagem do lixo, do que ela pode trazer de bons resultados econômicos e de geração de empregos para a cidade. Na ocasião, a ADERES entregou documento de 36 páginas sobre o lixo de Cachoeiro, repleto de gráficos e detalhes. Fui atrás do documento; só no início da semana recebi o documento discutido naquele agosto.

 

Pois bem, exceto pela atuação do Ministério Público Estadual, não vejo discussão ou ação sobre o lixo local e nem nada diretamente ligado à relação dele com o emprego na cidade - hoje só estou falando de emprego em Cachoeiro. É pena e é grave, pois oportunidades vão se perdendo, ainda que "apresentadas" à sociedade... em reuniões.

 

Foram feitas duas contratações de empresas, pela prefeitura local, para transportar e aterrar nosso lixo. Ambas as empresas, pelo que sei, vieram de fora e boa parte do lixo também será mandado para fora de Cachoeiro.

 

Ora, em vez de aterrar ou mandar nosso lixo para fora, pagando caro, o erário municipal, porque não aproveitá-lo aqui, principalmente papéis, papelões, plásticos, vidro e metais - lixo que, na sujeira intrínseca, pode-se dizer limpo e que agregaria muitos empregos e qualidade de vida?

 

O referido documento de 36 páginas diz que o lixo trabalhado pela ASCOMIRIM - Cachoeiro, é assim representado: - papéis (24%), papelões (23%), plásticos (31%), vidro (6%) e metais (3%), restando 6% de rejeitos inaproveitáveis e 7% de outros lixos que não entendi bem se servem para reaproveitamento.

 

Tenho outros assuntos sobre geração de emprego, e sei que isso não se resolve com medidas paliativas - veja o exemplo de Medellín, publicizado esta semana em Cachoeiro. É preciso agir olhando principalmente para o futuro, para se ter resultado - de nada servem coisas feitas só com discussões modorrentas. Ao contrário, exige-se, ao mesmo tempo da ação diária, estudos sérios com vistas a 5, 10, 15 ou mais anos no futuro. Fora disso, pode não funcionar de verdade, pode ser demagogia e pode ser gastar com gente de fora, milhões de reais por mês, dinheiro dos nossos impostos (desnecessário dizer que, se gastarmos com gente daqui, a gente daqui gasta aqui, e com nós mesmos).

 

A riqueza que circula num mesmo local enriquece a todos do mesmo local.

 

Continuando com Medellín

 

A presença, em Cachoeiro, do homem público Jorge Melguizo, ex-dirigente municipal de Medellín, cidade colombiana até a década passada devastada pela pobreza e pela criminalidade, terá sido certamente um corte no tempo da administração pública local, se os seus dirigentes - e a população, também - tomarem pulso da situação e se inteirarem que governar não é brincadeira.

 

Tenho para mim, que a palestra direta de Melguizo, não deixou dúvidas para ninguém - ou todos os cidadãos são tratados bem na cidade, ou não tem cidade. A escola que se construir no Zumbi, ou outro bairro, ou qualquer outra obra, tem que ter a mesma qualidade da construída no centro da cidade, se não a discriminação permanece, e onde há discriminação não há nem paz, nem progresso, nem democracia.

 

No livro de Murilo Cavalcanti, político e administrador de Recife - PE, está muita coisa semelhante ao que Melguizo disse, como, por exemplo, que a cidade mais evoluída e séria não é aquela que até pobre anda de carro, mas aquela que até rico anda de transporte público. E a síntese do quanto estamos longe dessa cidade evoluída aconteceu quando o palestrante, diante das 300 pessoas que o ouviam perguntou: - "Quantos aqui usam transporte público?" Mais do que a pergunta inusitada (nunca a ouvira, antes, em ambiente igual), foi a resposta: - apenas um cidadão levantou o dedo - todos nós presentes, exceto um - não andávamos de ônibus urbano, e na reunião que pode dar início à arrancada da cidade para o bem estar social da população, aquele que deve ser o beneficiário direto de uma nova Cachoeiro, simplesmente não estava lá, provavelmente nem sabia o que estava acontecendo naquela manhã de quarta-feira, nas ótimas instalações do SEST SENAT.

 

Mas, de qualquer forma, e ainda bem que é assim, a palestra de Jorge Melguizo foi simplesmente das melhores que já ouvi nos meus 50 anos de vivência em Cachoeiro, sempre escolhendo boas palestras para ouvir e participar.

 

Estava muito certo o Secretário de Segurança Urbana de Recife - PE, Murilo Cavalcanti, ao me alertar de que eu não poderia faltar à palestra. Não faltei e estou aqui repercutindo-a.

 

Que a iniciativa dos empresários de Cachoeiro, à qual compareceram muitas autoridades e empresários locais, encontre eco entre esses políticos e empreendedores e que eles sejam capazes de trazer mais gente do povo a excelentes reuniões com essa.

 

Se não for assim, para que reuniões? Que diferença fariam as reuniões?

 

Um Chocolate Chamado Valderez

 

Entre 1964 e 1966, é quando começa a história, Castelo era cidade pequenininha; todos conheciam todos. Eu, naquele tempo, já gostava de papéis; de jornal velho a revista nova; de livros que perderam a capa aos novos livros que me chegavam pelo reembolso postal nos bons tempos em que meu pai me concedia encomendar com o dinheiro dele.

 

Dos papéis que desempenhava com prazer, além de mexer e remexer nos papéis da Coletoria Federal, era ir diariamente aos Correios e abrir a Caixa Postal, e recolher a correspondência. Conhecia todo mundo, até o carteiro que censurava correspondência (minha e de meu irmão Ronald), que se resumia a mapas e revistas de muitos países do mundo: Canadá, Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha e - o que era o objetivo do carteiro censor - as belas revistas em preto e branco que mensalmente chegavam da União Soviética e Tchecoslováquia. Foi numa dessas visitas aos correios que vi, nas mãos do funcionário, um envelope e - curioso - li que nele estava escrito, um nome estranho: "Valderez Alves". Diabos, pensei eu, quem é Valderez Alves? Não deve ser de Castelo; aqui conheço todo mundo. Não era de Castelo. Melhor, não era até então. Valderez Alves era o novo beque do Castelo F.C., que atendia pelo apelido de "Chocolate". Craque de bola. E como eu era castelense roxo, ao contrário dos irmãos, torcedores do Comercial, não perdi tempo. No treino, assim que o craque pegou na bola, gritei de sacanagem, "Vai Valderez Alves". O bom crioulo parou a bola, assustado, querendo ver quem lhe descobrira o nome. Enquanto ele viveu lembrávamos da história e da amizade ali nascida.

 

Da década de 60, sei que Chocolate veio para o Cachoeiro, mas não soube seu rumo certo. Soube, por ele, que andara por Niterói onde até foi enfermeiro do General Médici. Depois voltou a Cachoeiro, ou nunca saiu, não sei bem. Não sei quem é sua família, pois estando em Cachoeiro, "cidade grande", já não havia mais como encontrar tanto.

 

E que me lembre, e de tal me lembro bem, melhor que guardar datas, as quais não guardo; que me lembre, nunca vi Chocolate a não ser com o alvo sorriso permanente, cordial; de bem com a vida, se quiséssemos reduzir tudo a lugar comum.

 

A última vez que o vi foi em domingo recente, na Banca do Mercado Municipal, onde, às vezes, chegávamos juntos para recolher nossos jornais.

 

Na semana passada, peguei a "Folha do Espírito Santo" e estava, em manchete, a morte por acidente de um ex-jogador. Fui ver, era ele, Valderez Alves, o mesmo nome escrito que, pela primeira vez, vira há quase quarenta anos, no envelope simples, talvez letra de mulher, talvez carta da namorada, que lhe deve ter dado filhos e amor.

 

Pessoas não deveriam morrer de acidente, mas me parece que Chocolate morreu da própria alegria de viver, o que é partir, mas também é homenagem que lhe presto. Velho amigo, sempre disposto, sempre alegre, sem maldade, carregando a felicidade simples como ele sempre viveu. Descanse em paz, Valderez Alves. (Crônica publicada em janeiro/2000).


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