Folhas ao vento - Jornal Fato
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Folhas ao vento


Com muita pretensão, certamente, lembro de Quintana ao observar a imagem refletida. Quem é essa que me olha no espelho?

 

Ao contrário de Quintana, não vejo aquela pessoa, com todas as suas rugas e marcas do tempo, como tão mais velha do que eu. Enxergo um rosto cada vez mais familiar, em que identifico traços variados de pai e mãe.

 

Talvez também seja ainda aquela menina teimosa de sempre, embora muitos planos tenham ficado pelo caminho. Mas insisto. Sigo em frente, percebendo as rugas que se acentuam, mas não me causam desespero.

 

Estão, certamente, no tempo e lugares certos. Nada mais natural do que encarar as marcas dessa passagem nem sempre tranquila dos bons e maus tempos de outrora.

 

São sinais importantes que contam um pouco da minha história. Que provocam reflexões sobre o que poderia ter sido diferente, e o que poderia ter feito melhor. Ao que poderia ter me dedicado mais, ou menos.

 

Inútil essa busca por respostas que não mais me pertencem, que ficaram definitivamente perdidas no passado. O que importa agora é seguir em frente, lenta ou rapidamente, com a certeza de que ainda dá tempo de escrever um novo enredo e muitos capítulos diferentes.

 

..."Quando eu for, um dia desses, 

Poeira ou folha levada

No vento da madrugada,

Serei um pouco do nada

Invisível, delicioso

Que faz com que o teu ar

Pareça mais um olhar,

Suave mistério amoroso,

Cidade de meu andar

(Deste já tão longo andar!)"

 

E as cidades do meu andar da vida toda percorrem a memória afetiva. Madre de Deus, vila de pescador de Candeias, na Bahia, pertinho de Salvador, uma praia em que ou se era sapecado pelas águas vivas, ou se saia sujo de petróleo, já que a região era de exploração petrolífera.

 

Em ambos os casos, sempre com o som do berimbau comandando o gingado da capoeira. Hoje certamente sou folha levada no vento da madrugada. Mas o a memória afetiva, visual e olfativa tem a cor do imenso azul do mar e cheiro de maresia.

 

Maresia tanto do mar, quanto da entranhada na pele do Jorge, pescador que todos os dias vendia seus peixes de porta em porta, sempre dizendo que não podia nos vender baiacu, porque esses cariocas (se não era baiano, era carioca) não sabem limpar peixe e podiam se matar e a culpa seria dele.

 

E nesse longo andar já se foram muitos anos, cidades, tristezas, alegrias, com a certeza de que estou exatamente onde deveria estar. Ah, Quintana, seus poemas renovam fôlego e energia. " Por isso é que os poemas têm ritmo - para que possas profundamente respirar. Quem faz um poema salva um afogado."


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