Lucidez - Jornal Fato
Colunistas

Lucidez


(Capítulo 27)

 

Tivemos alguns momentos de paz. E eu consigo associar esses momentos com todas as vezes em que fui acometida de uma rara e estranha lucidez. Aquelas vezes em que pensei e planejei antes de fazer, tudo foi perfeito. O olhar plácido, a mente funcionando, a fala mansa com certa autoridade e a paciência de esperar pelo momento perfeito. Ah! Como eu queria saber ser assim sempre. Ter tudo isso naturalmente, como é ter qualquer parte do meu corpo. O equilíbrio deveria ser tão óbvio quanto gostar de brigadeiro.

 

Lembro de um dos muitos períodos difíceis da nossa relação, quando você saía todas as noites para jogar, beber e desfilar pela madrugada com muitas mulheres. Foi sua "fase mulherengo" mais intensa. Todos os dias havia um compromisso. Todos os dias o telefone tocava com mulheres te procurando. Chegamos ao cúmulo de ter mulheres na portaria exigindo sua presença.

 

Não foi fácil, mas alguma coisa dentro de mim dizia que ia passar, que eu precisava ter calma. Foi uma fase de poucas brigas, mas de muito sofrimento. Eu conseguia ficar quieta, mas minha mente era um turbilhão. Minha vida era buscar algo que te fizesse parar. E foi por acaso que isso aconteceu.

 

Um dia precisei de um dentista com urgência. Busquei na lista telefônica e dei de cara com um nome que parecia familiar - familiar demais. E por um descuido ou cuidado do destino ele tinha horário no final da tarde.

 

Lembra disso? Era o Luciano, um amor muito especial que tive. Foi a minha chance. A consulta foi se prolongando e, enquanto você jogava, bebia e saía com outras, eu não estava chorando, vendo novela ou me empanturrando de comida. Eu estava nos braços dele, revivendo uma história que merecia ser revivida.

 

Cheguei em casa bem tarde, mas você não estava lá. E não te vi chegar: estava exausta. Nunca vou esquecer aquele café da manhã. Contei o que aconteceu diante dos seus olhos espantados e desacreditados. Estamos quites - eu te disse. Bastou um homem para que empatássemos, apesar de suas incontáveis mulheres. Te avisei que o jogo estava empatado e ia terminar assim. A brincadeira havia acabado.

 

Sorte a nossa você ter me levado a sério. Nossa lua de mel foi longa.

 

 


Comentários