Seu Ozório
Não sei bem porque hoje me lembrei do Seu Ozório, um personagem da minha infância. Um senhor que aparentava uns setenta e poucos anos e tinha uma 'birosca' (o nome é feio, mas é assim mesmo que chamavam) entre a rua Dr. Antônio Cunha e a antiga linha do trem, no bairro Amarelo.
Era uma pequena venda, feita de madeira ensebada, cravada na ponta do morro e que parecia ameaçar cair a qualquer momento, onde se vendia desde cereais a verduras, defumados, balas e doces. Tinha de um tudo, mas o mais importante eram os doces, que ficavam sobre o balcão seduzindo as crianças que vinham da escola. Um tormento porque sou da época que mãe mandava o lanche do recreio na mochila. Nada de dinheiro.
Mas minha história com Seu Ozório é outra. Lembro-me de que uma das coisas que mais gostava era quando minha mãe nos mandava, lá na tal vendinha, comprar algo que estava faltando em casa. Sobretudo quando eu ia sozinha. Era a total independência! Tá certo que era só uma garotinha de seis, sete anos a dez passos de casa. Mas para mim representava muito sair sozinha. Mesmo que a mãe ficasse lá da varanda me vigiando chegar com o embrulho e troco à mão. Obediente que era, não ousava comprar nenhuma balinha sem que ela autorizasse.
A birosca do Seu Ozório era, na verdade, um barraco e contrastava com os prédios e casas bonitas que começavam a ser construídas próximas dele. Ele usava um chapéu de palha, calça e blusa de tecido surradas e chinelo de dedo. Era sério, mas não bravo. Um comércio muito simples, que dava a sensação de que tínhamos quase tudo ao nosso alcance.
O tempo foi passando e já podíamos, eu e minhas irmãs, ir até a padaria Pão Nosso, um pouco mais longe de casa, depois às Mercearias do Seu Dirceu e Seu Anézio, ao Supermercado do Seu Adriano e ao Açougue do Seu Romildo. Não sem antes ouvirmos uma lista de aconselhamentos: não saia despenteada, olhe para os dois lados antes de atravessar a rua, não aceite nada de estranhos, confira o troco antes de sair do balcão, seja simpática com as pessoas (ainda aprendendo). E mais um tanto de orientações que a gente leva vida afora.
A gente muda de casa, de bairro e de cidade, mas não esquece esses personagens que fazem o tempo parar por alguns instantes, e que nem imaginam o quanto são parte de pequenas, mas marcantes conquistas, de uma geração de meninos e meninas do bairro Amarelo.