Já na entrada meus olhos se fixam, mesmo que de forma rápida, nos muitos traços e desenhos nas paredes.

 

A rapidez do olhar deve-se mais ao constrangimento do inusitado que à falta de curiosidade. Pouco comum encontrar traços infantis grafados nas paredes tão cuidadosamente preservados.

 

Disfarço, mas os rabiscos me impressionam. Primeiro, por ocuparem espaço na sala, cômodo teoricamente nobre da casa, sem que aparentemente cause desconforto visual aos moradores.

 

Não fosse a convivência pacífica, a tentativa de apagar os traços infantis seria notada, mas estão ali intocados, preservando o estilo dos, ou das "artistas". Eles despertam em mim boas memórias da infância. Das vezes em que escrevi nas paredes, e fui repreendida pelos adultos, que bordei com agulha em papéis de pão e das muitas vezes em que fiz de conta, nas muitas brincadeiras de criança.

 

Nunca com tanta liberdade de expressão, percebo tardiamente. Reflito que tanta naturalidade tenha feito um enorme bem às crianças, que receberam da família, na medida certa, asas e limites, por mais difícil e contraditório que isso possa parecer.

 

Volto à infância das minhas filhas. O arrependimento é por, muito provavelmente, não ter lidado com tanta naturalidade com os eventuais rabiscos em paredes, portas e lençóis. Não ter conjugado o verbo libertar.

 

Lamento ter me importado tanto com as pessoas que queriam crianças-robôs, excessivamente educadas, sem liberdade para a criatividade, que pudessem, com suas perninhas aprendizes, caminharem no próprio ritmo até dominarem a arte do passo firme e seguro.

 

Na saída, fito a parede mais uma vez, com a certeza de que serão sempre lembradas e que marcaram a vida dos pintores e pintoras. Lá fora eles celebram a vida com risos, festa e muita algazarra.

 

Vejo aqueles rabiscos, de certa forma, como autobiográficos. E lamento admitir que talvez os meus traços mais autênticos tenham sido apagados, deixando apenas borrões irreconhecíveis nas paredes da vida.