Você escreveu minha história? - Jornal Fato
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Você escreveu minha história?


Ser escritor não é sorte nem destino e, muito menos, sina. Escritor é aquele sujeito que ouve vozes e para se livrar delas, escreve. Assim tem sido comigo desde a infância, quando na ausência desse sopro ao ouvido, vivo a travessia do deserto de palavras. Quem escreve entende de solidão. Não a solidão nostálgica, de ausências, mas a solidão povoada de personagens que só nos abandona quando o livro segue seu caminho.

 

E toda vez que a obra se despede, deixando de ser única e sua, a sensação é de que não há nada mais a ser feito, a não ser deixá-la ir habitar outras solidões, a dos leitores que, invariavelmente experimentam suas próprias sensações, recriando uma nova obra, uma nova concepção da narrativa que pode virar roteiro, filme, peça. Ou, apenas livro.

 

Pode ser que a história salve alguém ou talvez um dia, quem sabe, um leitor desavisado nos repreenda por termos escrito algo sem seu consentimento. Quantas vezes alguém pergunta a um autor: "Diga sinceramente, você escreveu sobre mim?". Na maioria das vezes, não. A personagem pode ser qualquer um de nós à procura de um veredicto sobre o destino.

 

Cresci frequentando bibliotecas públicas. De infância modesta, a falta de grana nunca impediu de ter perto de mim grandes clássicos. Lia desordenadamente e sem critérios. Dessa forma me tornei uma leitora sem preconceitos. Sempre vi a biblioteca como uma espécie de local sacrossanto, onde a energia daqueles imortais pudesse me conduzir a um conhecimento inimaginável. Sempre que lia um autor novo pensava que a obra chegava no momento certo de ser lida. Tudo fazia sentido. Também cheguei a pensar que haviam roubado minha história.

 

Hoje sou escritora em metamorfose e sem pressa de chegar. Tenho muitas vozes soprando ao ouvido e menos horas de sono para dar conta delas. Vivo cercada de livros e de sonhos, meus e dos outros. Respeito o livro, mas rabisco suas páginas, anoto, comento o que penso. Livro para mim não é imaculado.

 

Não sei quantos livros deixam um escritor feliz. Não chegaria ao terceiro, se não tivesse passado pelo primeiro, o segundo. A experiência de escrever solitariamente e, depois, editar a dois ou três mais, faz com que entendamos o olhar do outro sobre o que acabamos de contar. A obra é livre e nunca estará pronta. Sofrerá  críticas, admirações veladas e, talvez, reconhecimento tardio.

 

Por hora, sigo na fila dos escritores, como diz Marçal Aquino, rumo ao juízo final. Estou de novo na rua, ocupada com gente e novas histórias. Estou indo para onde a curiosidade me levar. 

 


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