Água, lama e crise nacional: as preocupações de Hartung - Jornal Fato
Política

Água, lama e crise nacional: as preocupações de Hartung

Governador conta como enfrenta o maior desastre ambiental da história brasileira e a pior


 

Eleito para seu terceiro mandato com o discurso da responsabilidade fiscal, Paulo Hartung (PMDB) mantém as contas em dia sem aumentar impostos. A diferença é que a gestão econômica, marca de suas administrações, agora deve equilibrar também o desafio hídrico. As perdas da agricultura capixaba contabilizam R$ 1,25 bilhão. Já os prejuízos causados pelo rompimento da barragem da Samarco, em Mariana (MG), ainda são incalculáveis.

 

A onda de lama e dejetos que desceu o Rio Doce e chegou ao mar do Espírito Santo aproximou Hartung do Governo Federal. Sua interlocução nos debates nacionais vive seu momento mais ativo. O governador defende que os partidos hasteiem uma bandeira branca e uma agenda modernizadora seja implementada no Brasil. "Precisamos romper a paralisia do país. Isso está gerando uma marcha batida da insensatez", avalia.

 

ADI-ES - O rompimento das barragens e a onda de lama que desceu o Rio Doce é a maior tragédia ambiental do Brasil?

Paulo Hartung - Segundo especialistas, é a maior tragédia ambiental do país. Um desastre gravíssimo. Ele, no entorno da região de Mariana (MG), ceifou vidas humanas, o que é o aspecto pior de qualquer desastre. Destruiu comunidades em uma região histórica no Brasil, que guarda registros da caminhada dos brasileiros. O que foi para calha do rio é uma parte dos 63 milhões de metros cúbicos de rejeito, água, lama e assim por diante. Destruiu a fauna, a flora e a atividade econômica das pessoas.

 

A lama acaba de chegar ao mar. O navio mais moderno da Marinha Brasileira está nas águas do litoral do Espírito Santo, isso é um passo importante para avaliar como os dejetos vão se comportar no mar aberto e garantir futuras indenizações?

Conseguimos o deslocamento de um navio de pesquisa que tem capacidade de ver a micro vida que existe no mar e, de forma geral, a fauna e flora. Avalia todo o impacto e as correntes marinhas. Assim não tem esse negócio de achismo. Precisamos cuidar com boa análise cientifica e técnica dessa chegada ao mar, sem alarde. Uma notícia errada pode inclusive ser prejudicial. Daqui a uma semana já devemos ter dados concretos. Vamos dar uma opinião para os capixabas, que são usurários das nossas praias. Além disso, esse monitoramento vai nos permitir cobrar do responsável pela grave tragédia, que é a Samarco, o ressarcimento para que possamos recuperar aquilo que é possível.

 

É possível recuperar o Rio Doce?

Claro que é! Os ingleses recuperaram o Tâmisa. Os franceses recuperaram o Sena. É preciso recuperar a quantidade e qualidade de água. Precisamos de cobertura florestal para água ir para o subsolo, que é a melhor caixa de água que existe, e depois voltar para as nascentes. Por isso a experiência do Sebastião Salgado é boa: "Olhos d'água", que cuida das nascentes. Claro que nem tudo é possível ser recuperado: vidas humanas, história das pessoas que foram embora no lamaçal. Mas, naquilo que é possível recuperar, tem uma responsável, que é a Samarco, que agora atua na emergência. Precisamos que depois a empresa ajude no estratégico, que é a recuperação da Bacia Hidrográfica do Doce.

 

Quando o senhor ficou sabendo da notícia e quando percebeu que essa tragédia alcançaria o Espírito Santo?

Eu estava no Rio de Janeiro com o governador [Luiz Fernando] Pezão quando soube desse desastre. Já tive a notícia de que a lama percorreria pelos afluentes do Doce e viria ao território capixaba. Comecei a agir imediatamente. Na sexta, fiz reuniões. No sábado, já saímos trabalhando, despachamos a equipe para montar o escritório de crise em Colatina [Noroeste do Espírito Santo]. Fizemos isso por não saber que velocidade a lama iria andar. No domingo já avisamos a população ribeirinha por meio de helicópteros. Não sabíamos o quanto o rio iria subir. Depois começamos a montar um plano estratégico. Levamos carros pipa para Colatina, que era o problema maior. Com o apoio dos empresários locais e depois da própria empresa, na hora que ela começou a acordar do tombo que tomou, porque passou aí, em coma, acho que uns cinco dias. Não conseguia se comunicar, se movimentar. O que mostra que não tinha um plano de contingencia para um desastre dessa proporção. Lá pelo quinto, sexto dia a empresa chegou e começou a operar, inclusive procuramos água em Colatina.

 

A água voltou a ser captada, ela está em bom estado?

Está em bom estado. A experiência já tinha sido feita em Minas Gerais, importante dizer isso. A Samarco trouxe produtos que são mais caros e são mais eficientes para diminuir a turbidez da água e decantar as partículas sólidas. Esse produto, que é natural, está sendo usado em Colatina. Estamos já com o sistema trabalhando e a cidade de voltando a uma normalidade do abastecimento. Estamos vivendo, mesmo assim, uma emergência nessa área.

 

Governador, o senhor é economista. A Samarco hoje tem nove mil funcionários em Minas Gerais e seis mil aqui no Espírito Santo. Como o senhor vê o cenário para empresa depois de uma tragédia dessas? Tem quem diga que a empresa irá fechar, quebrar, parar a operação. O que o senhor pensa disso?

Tem duas coisas diferentes quando abordamos esse tema. Primeiro, a empresa tem responsabilidades. A legislação ambiental é clara. A atividade de mineração no país é de altíssimo risco. A responsabilidade da empresa é objetiva. Cabe as autoridades não ter meias palavras com essa questão. Também cabe as lideranças do país não demonizar a empresa. Empresa gera emprego, progresso, paga impostos. Não podemos misturar alhos com bugalhos. A empresa tem estrutura para cumprir com sua responsabilidade? Claro que tem! É uma empresa grande, que dá lucro expressivo todo ano. E que possui uma estrutura societária de muito peso. É 50% da brasileira Vale do Rio Doce e 50% da australiana BHP [Billiton]. São duas das três maiores mineradoras do mundo. Tanto a Samarco, quanto a Vale, quanto a BHP são empresas que estão no mundo. Tem uma coisa chamada reputação hoje no mundo dos negócios. A ação da empresa, cuidando do emergencial agora, e cuidando do estrutural depois, recoloca sua reputação.

 

Como o mecanismo de indenização está sendo construído?

Estou defendendo que a empresa assuma sua responsabilidade, que se crie um plano da Bacia Hidrográfica do Doce e um fundo específico para operar o Doce, senão daqui a pouco vão querer colocar esse dinheiro em desvios de função. E que tenha uma governança, uma gestão moderna para que as coisas aconteçam.

 

O Espírito Santo já enfrentava uma grande crise hídrica e agora convive com o maior desastre ambiental da história. Como o governo vai atuar nesse desafio?

Os estudiosos falam que estejamos vivendo neste período talvez a maior crise hídrica da história do Espírito Santo. Cuidar disso, na minha visão, não é só fazer caixa d'água. Temos que ter caixas de água, que são só reservatórios. Mas, se reservatórios bastassem, São Paulo não teria problemas de água. Tem o maior reservatório da América Latina lá, vazio. Praticamos uma política integral, que pensa desde a recuperação das nascentes e da cobertura florestal estratégica. Nosso programa Reflorestar faz essa política de recuperação de nascentes e cobertura florestal. Também já liberamos a construção de 32 barragens.

 

Vamos falar de outra crise: a política/econômica. Vemos alguns Estados sofrendo mais, atrasando salários de servidores. O Espírito Santo não aumentou seus impostos e mantém os pagamentos em dia. Qual o segredo?

A crise econômica não é novidade. Ela entrou na nossa vida faz tempo. Olha a inflação, não é de hoje que saiu da meta. O que é novidade na nossa vida é a crise política. O pós-eleitoral é que gerou essa crise. Quem ganhou não conseguiu interpretar a realidade, se comportou como se tivesse ganhado com maioria folgada, e não foi isso. Quem perdeu também não desceu do palanque, literalmente. Porque isso é importante? Porque isso paralisou o país! Vivemos em 2015 um ano em que as coisas não andam. Precisamos romper a paralisia do país. Isso está gerando uma marcha batida da insensatez. Porque nós aqui no Espírito Santo desviamos do pior dessa crise? Primeiro, tínhamos uma compreensão clara do que estava acontecendo no Brasil. Segundo, tínhamos consciência de que o Espírito Santo também vinha desorganizando suas contas. Antes mesmo da minha posse já tomamos providências. Conseguimos reduzir a peça orçamentária em mais de 9%. Por isso posso dizer que não tem uma despesa feita este ano que não tenha sido paga rigorosamente em dia. E fizemos isso sem nenhuma pirotecnia. Não aumentamos nenhuma alíquota de imposto.

 

E para 2016, o que podemos esperar?

Já tem economista dizendo que, juntando 2015/2016, vai ser um período que só teve no Brasil em 1929. Eu penso outro cenário: um primeiro semestre difícil e um segundo semestre onde as coisas melhorem. Acho que é possível a gente reagir. É possível sair dessa corda esticada que virou a política brasileira entre quem ganhou e perdeu. A palavra de ordem agora é uma agenda modernizadora que amplie a competitividade do Brasil no mundo integrado. Temos que deixar que as instituições funcionem. Não pode ficar na luta política o tempo inteiro. Muito mais importante que os grupos políticos, os partidos políticos, as facções políticas, é o Brasil.

 

O senhor vem andando pelo país. Como tem sentido a receptividade dessas ideias?

Da vez passada eu fui um governador diferente, fiquei muito dentro do Espírito Santo. Muito dedicado a trabalhar o Estado. Nesse mandato mantenho a mesma energia para cuidar do Estado, com uma ótima equipe ao meu lado, mas tenho aberto um pedaço do meu tempo para participar do debate nacional e levar minhas contribuições. Espero que elas sejam úteis para o Brasil reencontrar o seu caminho. Precisamos ter produtos e serviços bons e competitivos em qualquer parte do mundo. É a integração competitiva do Brasil no mundo, não tem outro jeito. Temos que ralar muito.

 

 

ADI-ES

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