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É finita

Há época em que as notícias que chegam dão conta de perdas cada vez mais frequentes


Há época em que as notícias que chegam dão conta de perdas cada vez mais frequentes. Daquelas irreparáveis, que nos deixam mais pobres de afetos e amores, e abrem lacunas que jamais serão preenchidas.

Isso tem se repetido na minha vida, especialmente do ano passado para cá. Como diz o querido amigo Cafunga (que tomei emprestado da Célia Ferreira), após os 40 a gente passa a encontrar os amigos em visitas ao hospital. Se não na literalidade, foi mais ou menos isso que ele quis dizer.

Que à medida que envelhecemos, os pontos de encontro mudam. Deixam de ser os bares e outros lugares de alegria e confraternização, e passam a ser os hospitais, em momentos de doença e dor. Pois bem, parece que o Cafunga está certo.

E para provar a máxima cafunguiana, essa semana foi especialmente triste. Na segunda recebo a notícia do falecimento de uma amiga da família, bem mais nova que eu, que conheci ainda criança, quando morei na Bahia. Apesar da distância física, nossas famílias eram bem próximas. Espevitada que era, nos alegrava os dias numa cidade estranha, em que nós, então bem jovens, tínhamos ido a contragosto em função da transferência do meu pai, a trabalho.

Ainda sem assimilar a morte de uma pessoa tão jovem, que cuidava da saúde, adepta da medicina natural, recebo, na manhã de terça-feira, a notícia da morte da mãe, que não deve ter suportado dor tão forte, diante da perda inesperada da filha, pouco tempo depois da descoberta de um câncer.

Com isso, o filho enterrou a mãe e a irmã em menos de 24 horas. Se há dor maior que esta, desconheço. Certamente a vida nunca mais será a mesma. Perdemos, ao longo do caminho, portos seguros que nos amparam e sustentam nos momentos mais difíceis. Qual será, a partir de agora, o sentido da vida? O que será?

Olhamos para o presente e vemos filhos e pais que ainda dependem de nós, sonhos ainda não realizados, compromissos assumidos e ainda não honrados e uma série de providências que nos achamos na obrigação de tomar, como se a vida não seguisse seu curso sem nós. Ledo engano. Os vazios fazem doer a alma, mas não nos permitem a abstração total.

Eles se sobrepõem e se renovam. Seguimos, entristecidos ou não, ora empobrecidos de sentimentos, ora cheios de dores e engolimos as lágrimas diante da necessidade de vencer mais um dia. Ou seria de nos prepararmos para vivermos menos um dia, numa contagem regressiva angustiante?

Confesso que espero encontrar amigos e familiares em momentos festivos. É premente que renovemos forças e esperanças. A morte não é mais um termo abstrato, mas uma realidade medonha que leva de nós os grandes amores. "A morte deveria ser assim: um céu que pouco a pouco anoitecesse e a gente nem soubesse que era o fim". Ai, Quintana, tão bom seria se as mortes alheias não matassem também um pedacinho de nós.

 


Anete Lacerda Jornalista

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