Em Defesa do Centro Histórico de Cachoeiro - Jornal Fato
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Em Defesa do Centro Histórico de Cachoeiro

Me impressiona bastante, e impressiona muito mal que, em nossa cidade, a maioria dos cidadãos


Me impressiona bastante, e impressiona muito mal que, em nossa cidade, a maioria dos cidadãos não tenha olhar republicano para algumas de nossas construções da parte mais antiga do centro de Cachoeiro, a começar pelos da prefeitura. Olhar republicano é olhar de admiração, não comercial, olhar de preservação das construções históricas nas quais habitaram, trabalharam, frequentaram e admiraram, no passado e no presente, boa parte dos nossos. Locais onde tivemos alegrias - eventualmente tristezas - lugares esses que aqueles que um dia se mudaram de Cachoeiro, não se cansam de elogiar, quando relembram, ou quando veem foto antiga e histórica.

O máximo que se consegue fazer por aqui é ter saudades, achar - atrasado - que não deveriam ter mexido na estrutura e - principalmente - na visão dos prédios, vez que eles foram e são lindos, trazem boas recordações e admiração; que atraem turistas e os nossos que já se foram pra outras plagas.

Ao contrário, é o que acontece, hoje, aqui em nossa região, em São Pedro de Itabapoana, município de Mimoso do Sul e em toda a zona urbana de Muqui, que já tem visitação turística boa, mas que pode ser multiplicada por 100. Se cidades vizinhas e Cachoeiro principalmente compreenderem que elas também têm arquitetura histórica e respeitada, além, naturalmente, de ser berço de origem de gente como Roberto Carlos, Rubem Braga, Raul Sampaio, Sérgio Sampaio, Jece Valadão, para só ficar nesses luminares conhecidos em qualquer local do Brasil.

Do perfil dos imóveis na cidade de Cachoeiro, aos quais me refiro especificamente, salta aos olhos o casario assobradado da Praça Jerônimo Monteiro, todo ele construído de costas para o Rio Itapemirim. Mesmo assim - casas construídas ao inverso - não deixa de ser poderosa a visão dos sobrados que circundam a praça e que não pode sofrer mais (por questões ambientais, e não pessoais) intervenções urbanísticas, até porque e principalmente, o Rio Itapemirim vem cobrando sua colocação às costas da cidade. E as enchentes estão vindo cada vez mais fortes e agora não passa uma década sem que venha com ela pesadíssimas enchentes que levam à falência os comerciantes beira-rio; ao desemprego, os empregados. Sem contar outros prejuízos que alguns fingem não ver.

Ainda que não seja pelo mesmo motivo e objeto desta crônica, a prefeitura acaba de adiar por uns dois ou três meses grande intervenção no centro da cidade, quase tudo na Praça Jerônimo Monteiro. Adiou por conta da reclamação justa dos comerciantes da praça.

Mas não consta, e eu não vi em lugar nenhum, qual seria ou será a tal intervenção adiada. E se ela levará em conta o patrimônio histórico da praça - ainda que não oficializado, ainda - representado pelos mais de 300 metros de construções históricas da praça - mesmo cobrindo o Rio Itapemirim.

E aproveitando: - sem politicagem e com honestidade (que eu cobrarei as duas) - alguém aí sabe o que se pretende fazer na praça, além de - pareceu-me - diminuir a pista de trânsito dos veículos? Alguém pode me dizer se os setores de cultura, turismo e história da prefeitura participaram de alguma discussão sobre essas novas "obras" adiadas? E se participaram, sabem dizer se concordaram e sob quais fundamentos?

Tantas perguntas sem resposta me levam a suspender por aqui e por enquanto, esta crônica cachoeirense. Crônica honesta e sem favor a ser prestado a ninguém, a não ser a esta terra - Cachoeiro - na qual não nasci, mas sou cachoeirense por adoção; na qual vivo há 55 anos.

E DAQUI NÃO SAIO, DAQUI NINGUEM ME TIRA E NÃO ME CALO EM DEFESA DELA.

1972 - Coleção Gilson Carone
 
 
Retratando paisagem de 1960 - Arte de Humberto Poubel 

 

 

Indo ali, a Muqui

(Crônica que publiquei inicialmente em 16/09/1999, e que publico pela terceira vez, pela sua permanente atualidade e para repensarmos TODO o sul do Espírito Santo, local dos mais belos do mundo - e reconheçamos definitivamente - MUQUI AVANÇOU de 1999 para cá).

(Rodei, há alguns anos, quase 1.000 km até chegar a Tiradentes, terra natal do próprio. Mas não é essa estrada que interessa, interessa é que eu estava lá, no meio do casario colonial; centenas de imóveis conservados, quase todos com único andar e alguns sobrados. Tiradentes é sucessão de casas antigas e simples, pra lá de duzentos anos e não faria sucesso algum, em lugar nenhum, se não compusesse um conjunto arquitetônico colonial bem conservado. Em síntese, cada casa em si representa pouco, quase nada, e não seria suficiente a tornar célebre a cidade e nem encantar as vistas de quem a vê. Seria, digo com convicção quase total, uma casa velha prestes à demolição, dando lugar a um supermercado qualquer que, na pobreza, faria grande sucesso.)

Todo o escrito, daqui para trás é um imenso parênteses que construí, para chegar a Muqui, vizinho município nosso, a menos de meia hora, que conserva no centro urbano e em espalhadas propriedades rurais, ecos em madeira e cimento de mais de uma centena de imóveis do início do século; casario construído com os fartos recursos da riqueza pioneira do café, que encheu de frutos e movimentou a hoje pacata vizinha.

E as observações que faço são frutos da primorosa matéria assinada pela jornalista Rosângela Venturi, saída domingo (1999) no jornal "A Gazeta", de Vitória. Roda-se milhares de quilômetros para ir a locais como Tiradentes (que realmente merece a visita e mais de uma), mas não se aproveita, como se deve aproveitar, aqui do lado, o imenso patrimônio histórico que os muquienses conservam há setenta ou cem anos. Parece que é simples, mas não é, a conservação do sítio histórico de Muqui, coisa quase que só de particulares.

O olhar do homem comum que vai a Muqui é apenas olhar comum, pois faltam a ele informações históricas levantadas e divulgadas sistematicamente. Não existe beleza arquitetônica onde não há história divulgada. Muqui não tem existido como área de admiração dos homens comuns, pois lhe falta divulgar mais sua história e as das bem conservadas construções.

(Em Tiradentes, no Bar do Celso, casa colonial bem simples, onde se serve a mais deliciosa comida mineira, ouvi um morador idiota de lá (também os há) dizer que o tal de "patrimônio histórico" emperrava Tiradentes, impedindo a reforma daquelas "casas velhas". O idiota não atinava que se eu e outros atravessávamos a geografia para tomar uma cervejazinha gelada no Bar do Celso, certamente que não era pelo preço mais caro pago, mas pela importância histórica da cidade e sua gente.) Muqui também pode ter essa importância mesmo que apareçam idiotas de plantão, ou alguém mal informado ou um inculto receoso que confunde progresso com sei lá o quê.

A chance do sul do Estado é juntar montanhas, praias, história, mármore e granito, turismo e povo, para fazer sucesso, para produzir progresso sustentado, que é como se diz agora. Nem é alternativa, é caminho único, pois o interior só sobrevive se lutar com as armas próprias: tudo o que ele próprio construiu.

 


Higner Mansur Advogado, guardião da cultura cachoeirense e, atamente, vereador

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