Fique. Ou fuja - Jornal Fato
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Fique. Ou fuja

Era a mais velha em uma família de oito irmãos e cuidava de todos eles enquanto a mãe, que sustentava a família sozinha


Era a mais velha em uma família de oito irmãos e cuidava de todos eles enquanto a mãe, que sustentava a família sozinha, saía para trabalhar. Oportunidade de estudar teve apenas depois de adulta, quando a dona da casa em que trabalhava apresentou a oportunidade de frequentar, à noite, um curso para adultos. Formou-se enfermeira e troca o dia pela noite em seus plantões quase diários, porque a sua luta agora é para comprar uma casa própria onde possa terminar de criar o filho pequeno cujo pai tomou rumo incerto e não sabido.

Nasceu em uma família rica e cresceu dentro dos padrões de beleza. Era uma ótima aluna e deixou o ensino superior para seguir uma promissora carreira de modelo. Fez fortuna e conheceu o mundo. Nessas idas e vindas sentiu-se sozinha em alguns momentos e compensou com medicamentos ou intermináveis taças de champagne. Buscou a companhia de muitos parceiros. Alguns duraram meses, outros apenas uma noite.

De classe média alta, nunca se conformou com seus próprios privilégios. Trocou o conforto da casa dos pais pela luta por um mundo mais justo. Participou de passeatas, manifestações e greves. Morou em repúblicas, organizou eventos, formou-se advogada em uma universidade federal e continua militando em prol dos menos favorecidos. Fez da profissão um sacerdócio e não quer saber de filhos ou casamentos convencionais.

Foi criada pela avó e desde muito nova aprendeu a costurar, bordar, cozinhar e cuidar com esmero de uma casa. Foi uma aluna comportada e muito tímida, dessas que faltam aula em dias de apresentação de trabalho. Estudou economia doméstica e sonha com uma casa branca de janelas azuis, muitos filhos e um marido que lhe esquente os pés nas noites frias, pois tem os pés muito gelados.

Fez artes plásticas e respira a liberdade de ser quem quer ser. Às vezes ganha um dinheiro cantando em restaurantes e bares. Mas também sabe dançar. Faz bico de tatuadora, animadora de festas infantis e bartender. Tem tantos talentos que, apesar de adulta, ainda não decidiu o que quer da vida, e nem está preocupada com isso. Vive um dia de cada vez. A sua melhor amiga foi concebida em um lar cristão conservador. Cresceu na igreja e tem plena convicção de sua fé. Apesar de ter sido expulsa de casa por sua mãe quando ficou grávida, continua firme em sua crença, mesmo depois de ter perdido seu bebê.

Não importa qual seja a sua história, tenha orgulho. Elas te moldaram e te fizeram quem você é hoje. O seu caminho foi feito por suas pernas, braços, atos, abraços e cansaço. Você é o reflexo de uma história que é só sua e que te faz única, linda e vencedora. Se ele, seja ele marido, namorado ou amigo, tentar te fazer diferente, não hesite em dizer não. Seu cabelo, sua religião, seu corpo, sua personalidade, suas roupas, sua voz e suas preferências são sua identidade. Sua personalidade é como sua digital. Sua, única, intransferível. Talvez algo mude com o tempo, com a lua ou com o vento, mas nunca por alguém que não respeite sua trajetória. Fique por amor e por respeito. Fique por sua espontânea vontade. Fique porque é livre para escolher ficar.  Fique pela alegria da presença, pelo companheirismo e pelo afeto. Fique pela admiração mútua e pelo brilho no olhar. Do contrário, fuja. Se ele não te quer do seu jeito, ele simplesmente não te quer.

 

Paulinha Garruth


Paula Garruth Colunista

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