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Acho que fui careta a vida toda


Acho que fui careta a vida toda. Daquelas de se esforçar para não dar um passo em falso sequer. De garantir que a palavra dada fosse sempre cumprida. De esperar pessoas que nunca viriam simplesmente por acreditar nelas. Então seria bem lógico que me adaptasse às pessoas politicamente corretas, certo?

Errado. Sempre gostei das pessoas fora do padrão, meio doidas, que riem alto, não fazem pose e nem querem parecer o que não são. Lembro então do grande e inesquecível Ariano Suassuna, que dizia gostar de história de doidos, e que não sabia se era por identificação.

Ele fala que um primo brincava que na família, quem não era doido, juntava pedras para os doidos jogarem. Afirmava, com o bom humor invejável, que do talento nem preciso falar, que essas pessoas veem as coisas do ponto de vista original, o que seria também uma característica do escritor, que buscaria sempre o que tem de verdade por trás da aparência.

Então acho que por questão de identificação, e até de insanidade, quero o que está além das aparências, que seja autêntico, espontâneo e divertido. E ando em busca de pessoas assim, de amigos do passado com quem compartilhei grandes momentos, de pura alegria.

Aí me volto para Suassuna, ainda na sua história sobre os doidos. Ele relatou o fato do pai ter inaugurado uma clínica psiquiátrica dentro da proposta de usar a psicoterapia do trabalho, conforme preconizava o maior psiquiatra da época, Juliano Moreira. Na inauguração, os internos desfilavam com os carrinhos de mão que seriam usados nas atividades do dia a dia.

Um deles desfilou com o seu carrinho de cabeça para baixo. Quando falaram que não era assim que devia carregá-lo, o doido falou que do outro jeito iam enchê-lo de pedra. Doido? Ariano se divertiu e disse que aquele homem era sensacional.

Aí me recordo dos muitos doidos mansos, mas cheios de tiradas espetaculares, que atravessaram o meu caminho. Aprendi com eles. Uma das coisas é que não importa o que pensam de nós, desde que estejamos seguindo o nosso caminho e de bem com a vida. Carregando apenas o essencial, sem peso na alma nem dor no coração.

E se de perto ninguém é normal, avançar é fundamental para manter a sanidade. De preferência bem acompanhado pelos melhores amigos. Mas sozinho na hora em que ouvir silêncios for imprescindível. E eu, em muitos momentos, gosto imensamente do barulho do nada.

Então continuo em busca de pessoas divertidas, até consideradas insanas, que me arranquem gargalhadas gostosas e inconvenientes nas horas mais impróprias. Não quero um milhão de amigos.

Quero apenas os que trazem leveza e me fazem bem. Quero, agora e sempre, o que existe de verdade por trás da aparência. Estou fora da felicidade forjada e vida perfeita exposta nas redes sociais. Eu quero muito mais. Eu preciso e mereço. E que assim seja.


Anete Lacerda Jornalista

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