Um fio de vida - Jornal Fato
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Um fio de vida

Apesar das palavras alentadoras do médico, percebia que algo diferente acontecia em seu tórax


Carlos encontrava-se sentado. Sete horas da manhã de um dia nublado. Uma dor intensa, um desconforto torácico, pela madrugada, o fez procurar o pronto atendimento do hospital. O eletrocardiograma inicial nada mostrava de significante, e também, a primeira dosagem da enzima miocárdica. O coração não evidenciava alteração do seu ritmo e nem sinais de sofrimento em seus músculos. Apesar das palavras alentadoras do médico, percebia que algo diferente acontecia em seu tórax. Estava sozinho. Solitário como nos últimos anos de sua vida. Contava setenta anos de idade. Na verdade era isto, contava os anos se passando. Tempo para um casamento desfeito, filhos e netos distantes. Raros momentos de alegria. Por fim, vivia isolado do mundo. Financeiramente bem sucedido; vida pessoal e emotiva de pobreza imensa. Afastaram-se todos: esposa, filhos, amigos... Algo de errado em seu tórax naquele dia; algo de errado em seus relacionamentos por toda uma vida. Por isso, a angústia. Haveria tempo para as coisas de sua vida? O médico se aproxima da poltrona e informa: devemos aguardar o restante dos exames de sangue, seguiremos o protocolo de dor torácica. Faremos exames de hora em hora, durante o período da manhã. Observaremos sua evolução clínica. Deve esperar, completou. Em sua solidão, isolado como estava, sentia-se como um rio seco. Tal qual o Itapemirim em épocas de pouca chuva e diminuição do volume de suas águas e as pedras em seu leito à mostra. Era assim que se via ao olhar-se no espelho e ver sua imagem refletida com a proeminência de seus arcos costais. Um homem se esvaindo, derrotado em frente ao espelho, bem antes da dor no peito. Em outros tempos, na juventude, orgulhava-se do que via na imagem refletida. Muito para contar... Mas permanecia sozinho. 

Com o passar do tempo, sentia o desconforto das acomodações. Perguntava sobre a possibilidade de um leito, uma cama que pudesse deitar. Não era possível, pacientes graves ocupavam as poucas vagas. Arrependia-se. Por questão de economia, ou avareza, não fizera o plano de saúde. Mesmo agora, com o saldo da conta bancária que possuía, poderia pagar por um serviço hospitalar diferenciado. Não. Preferiu permanecer onde se encontrava. Aguardaria o desfecho do caso. Não se sentia motivado a proporcionar o conforto que o corpo solicitava. Quase um castigo, uma punição, a um corpo que carregava uma mente e espírito de avareza que levou ao estado de miséria em que se encontrava. Aflito, consultava o celular. Um alento. Algumas mensagens apareciam. Os filhos perguntavam por notícias. O médico retorna. Nada de novo em seus exames. Deve aguardar. Oito horas, o celular marcava. Alguns minutos após as oito, logo depois da passagem do médico, a dor retorna, algo leve, nada reclama. Suportava a dor. Ela não incomodava tanto, naquele instante incomodava-se com as lembranças. As lembranças traziam seus temores. Coisas que deixara de fazer em sua vida. Tinha medo. Muitas dúvidas se acumulavam. Aguardaria o fim da manhã e o retorno do médico. Enquanto esperava, lembrou...

 

Sergio Damião Sant'Anna Moraes

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Sergio Damião Médico e cronista

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