Um olhar sobre Cachoeiro - Jornal Fato
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Um olhar sobre Cachoeiro

Um estrangeiro não deveria opinar sobre aquilo que não o pertence. Meu olhar é simples


Foto: Arquivo/Fato

Desculpe pelo atrevimento. Um estrangeiro não deveria opinar sobre aquilo que não o pertence. Meu olhar é simples. Outros olhares existiram, olhar dos que aqui nasceram e cresceram. Um olhar que se iniciou no século XIX e prolongou-se por todo século XX. Foram os olhares do Newton, do Rubem, do Raul Sampaio, do Athayr, do Higner, do Evandro, da Marília, da Ariete, do Wagner, do Jackson, do Wilson Márcio e Marilene Depes, da Neuza Brunoro... Olhares apaixonados, olhares de saudade, olhares de espanto com a beleza da natureza. Esses olhares foram espalhados e compartilhados com o mundo. O meu olhar é o olhar do século XXI, de morros ocupados, de trânsito caótico, de um rio com menos água, ainda assim, um olhar de encantamento com os primeiros raios do sol por cima do Itabira e do Frade e a Freira. Para a descrição do que vejo falta-me a palavra adequada, porém, sobra-me em emoções com o encadeamento de pedras em torno do nosso vale, ainda que maltratado e pouco preservado.

Desde o fim do ano de 2018, mudei para bem próximo ao rio Itapemirim, da sacada, ou da janela do apartamento, acompanho o movimento da urbe cachoeirense. Acordo um pouco antes do amanhecer e acompanho o vermelhão em volta das nossas montanhas e das pequenas nuvens que se aproximam. Por instantes, pareço um colibri diante da orquídea, ele parado no ar, apenas um leve balançar de suas asas, suficiente para absorver seu alimento. Assim fico eu, parado no tempo, com o olhar petrificado pelas coisas da transcendência. Espantado e, receoso, com a possibilidade do seu fim. Mas, são instantes, momento fugaz, pela magia ainda existente, tempo para a energia do dia que se inicia. Em fins de semana, desço do apartamento e sigo em direção ao rio. Pela manhã, ou em fim de tarde, sigo seu trajeto pelo centro da cidade, é o mesmo dos tempos dos olhares bem descritos. Muda o volume e a força de suas águas, permanece a água barrenta e a magia para com aqueles que o segue. Ainda a mesma fantasia de uma pescaria abundante. Ainda uma forte influência em nossos devaneios. Como se o rio Itapemirim fosse uma esperança de nos trazer as coisas desejadas e fantasiadas. Com o rio ainda é possível parar no tempo, como o beija-flor diante da orquídea.

Ao retornar, da sacada do apartamento, à beira da Avenida, percebo as coisas da cidade, aquilo que não via por estar inebriado pelas pedras e seu rio. Vejo nossos morros desordenadamente ocupados, vejo nossas calçadas tomadas por moradores de rua... O cemitério, no Coronel Borges, as tumbas às mostras. Em cidade de um país distante, lembro ter passado por um cemitério, demorei em identificá-lo. As tumbas não pareciam casas para os mortos, lembravam uma floresta, um grande jardim, as árvores dominavam o local. Em Cachoeiro, ao caminhar, identifiquei sujeiras pelas ruas, caminhei um bom trecho para encontrar local adequado para despejar o frasco vazio de água. Da janela do ônibus, pela beira do rio, voavam papéis e latas de refrigerantes. O olhar sobre Cachoeiro preocupa. Preocupa, pois, as coisas que temos de belo podem ser perdidas pela falta de educação e, cuidados, com a cidade que vivemos e morreremos.

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Sergio Damião Médico e cronista

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