Visita ao Médico "das Vistas" - Jornal Fato
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Visita ao Médico "das Vistas"

O consultório era ótimo, quatro andares, e vai o cabra subindo e descendo elevador


Ai o cabra criou coragem e foi ao médico para fazer consulta que daria, certamente, na operação "das vistas", aquela tal de catarata. Isso ele já sabia que ia acontecer - seus olhos estavam vendo tudo meio escuro ultimamente.

O consultório era ótimo, quatro andares, e vai o cabra subindo e descendo elevador, hora num instrumento médico, hora noutro, hora descansando pra começar tudo de novo.

Cabras são intuitivos e observadores. Daí que o nosso cabra observou que, subindo e descendo, descendo e subindo elevador, sentado na espera, só via moça bonita atendendo no tal consultório "das vistas".

Quase na saída, atendido pela última moça, bonita, claro, criou coragem e perguntou:

- Aqui só trabalha mulher, tem homem trabalhando não?

Era pergunta da qual pensava já ter a resposta - só trabalhava ali moças, moças bonitas.

Qual o quê? A resposta da moça foi pronta, direta e... inversa:

- "Tem homem sim, tem um rapaz que trabalha com a gente".

Nosso cabra, não acreditando, reperguntou - "como assim, vi ele por aqui não! E estou cansado de subir e descer andar por andar". E a resposta fulminante veio assim:

- "É verdade, ele não está aqui nesta semana não; passou mal e tirou uns dias de licença, a gente nem sabe quando ele volta".

No que o cabra, esperto, resumiu para si mesmo:

- "Claro, quem que não ficaria doente no meio de tanta muié bonita!!!

Ih! Ia me esquecendo de dizer. A operação das vistas realmente ocorreu, como esperado; e das duas vistas, e o cabra tá andando por ai muito feliz, não só por ter visto tanta gente bonita, como por cada vez ver mais gente bonita... depois da operação das "vistas". (Com meus sinceros agradecimentos ao Dr. Lindolfo Gandra Costa, a seus colegas e a todos as suas funcionárias, pelo excelente atendimento que recebi na clinica deles).

 

Cooperativa de Laticínios - SELITA - 80 Anos

A SELITA, como é mais conhecida nossa Cooperativa de Laticínios é, além de cooperativa das mais tradicionais, uma das mais importantes e longevas empresas do Sul do Espírito Santo.

Sua história ainda não foi escrita integralmente em volume único e esse merecimento ela tem - coisas importantes acontecem no seu espaço industrial e que se estende Brasil a fora. Milhares de cooperados e empregados vivem do trabalho que prestam a ela e suas raízes vão além de nossas fronteiras. Bom que alguém contasse essa história maravilhosa, integralmente.

Eu, por aqui, convido o leitor a passar os olhos - e ler - a revista lançada este mês, revista especial que conta muitos lances dessa História com "H" maiúsculo, bem como saborear o livreto "Sabores do Leite", patrocinado pela SELITA e lançado pelo Núcleo Feminino da Cooperativa, com dezenas de receitas simples e saborosas, cujo ingrediente principal é o... leite.

Por fim, esta crônica joga luzes sobre o artesanato que a SELITA incentiva entre seus funcionários, como é o caso dos trabalhadores e artesãos aqui retratados: Pedro Lopes Rangel, o "Didi"; Sebastião Machado, o "Tião" e o Laudelino Santana da Costa, o "Delino", responsáveis por algumas dessas obras primas - a maioria delas - que enfeitam esta página. O material utilizado por eles são, simplesmente, materiais considerados inservíveis, lixo, e não são ao menos para quem tem noção de proteção à natureza.

Sugiro ao pessoal do mármore e do granito, muito abundante na nossa região, que ponha olhos nessas maravilhas e as multiplique nos cacos de mármores e granitos desperdiçados em maioria.

 

FATOS & LENDAS

Hannah Arendt, importante pensadora alemã, quando tratou das lendas, que são, aproximadamente, o mesmo que o termo "versão", no sentido que eu o abordo, escreveu uma belíssima página. É a melhor explicação de como o mito ou a lenda, ou a versão, se transforma em verdade, e de como a "mentira", às vezes, não é mentira, pois é algo além da verdade. A página de Hannah Arendt é a seguinte:

"As lendas sempre influenciaram fortemente a feitura da história. O homem, que não tem o poder de modificar o passado, que herda as ações alheias sem consulta prévia, e sente o peso da responsabilidade resultante de uma série infinita de acasos e não de atos conscientes, exige uma explicação e uma interpretação do passado, onde parece esconder-se a misteriosa chave do seu destino futuro. As lendas foram o alicerce espiritual dos povos antigos, uma promessa de guia seguro para a vastidão do amanhã. Sem jamais relatar fielmente os fatos, mas expressando sempre o seu verdadeiro significado, oferecem uma verdade que transcende à realidade, uma lembrança além da memória.

As explicações lendárias da história sempre serviram como tardias correções de fatos e eventos reais, necessárias precisamente porque a própria história iria responsabilizar o homem por atos que ele não havia cometido e por consequências que não tinha previsto. A veracidade das lendas antigas - aquilo que lhes empresta uma fascinante atualidade muitos séculos após a destruição das cidades, impérios e povos a que serviram - estava na forma a que eram reduzidos os fatos passados, para ajustá-los à condição humana em geral e a determinadas aspirações políticas em particular. Somente através das narrativas francamente inventadas, o homem consentia em assumir a responsabilidade pelos acontecimentos e em considerar os eventos passados como o seu passado. As lendas davam-lhe o domínio sobre o que não fora obra sua, e a capacidade de lidar com o que não podia desfazer. Neste sentido, as lendas não são apenas as primeiras lembranças da humanidade, mas também o verdadeiro começo da história humana."

Quando, no entanto, Arendt falou sobre a verdade imposta, disse: "a persuasão impositiva e a violência podem destruir a verdade, mas jamais poderão substituí-la."

Não parece, pois, devamos temer o poder da versão, mesmo que ela supere os fatos, pois será ela, se não for persuasão impositiva e violenta (instrumentos do poder e do status quo), o único poder que os que não detêm poder possuem.

E já que estou indo longe em citações, não custa relembrar nosso companheiro de jornal, Sérgio Garschagen, que lá pelo ano de 1970, lançou, na FAFI, o jornal nº 1 e único, o "Castigat ridendo Mores" (Rindo, castiga os costumes) ou, numa tradução mais livre que me ensinaram, "Rindo, dizer a verdade."

Pois é essa a função da versão, da lenda, e do mito. Permitir àquele que não tem poder ou posse, rir do ridículo do que tem, enquanto a cova rasa não se incumbe de igualar todos, na eternidade que é a ante-sala do juízo final.(crônica publicada inicialmente em janeiro de 1998).


Higner Mansur Advogado, guardião da cultura cachoeirense e, atamente, vereador

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