Qual o Quê! - Jornal Fato
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Qual o Quê!

Sou amigo de alguns ambulantes e gosto de puxar assunto com eles, para além do comércio que exercitam diuturnamente.


- Ilustração: Zé Ricardo

Tenho diversos amigos ambulantes no centro da cidade, que trabalham de maneira improvisada vez que não tem recursos financeiros para se organizarem. Sou amigo e gosto de puxar assunto com eles, para além do comércio que exercitam diuturnamente.

Não é vida fácil a desses ambulantes, mas eles - a quase unanimidade - agem da melhor maneira possível, vendendo seus produtos. E eu me fidelizo a eles, quanto tem qualidade de produtos e são de bons princípios, os quais são demonstrados por eles em conversas aparentemente sem grandes pretensões.

Na quinta-feira (30/06/2022), pela manhã, parei na banca de um deles, na Praça Jerônimo Monteiro. Eis que ele puxa de uma sacola uma boa dezena de livros em bom estado e quase todos de boa qualidade literária, conforme fui conferindo.

À medida que os livros iam pulando da sacola, ele ia dizendo que os achou no lixo da Praça de Fátima, bem aqui no centro de Cachoeiro. Vendo os livros, interesso-me por diversos, mas um especificamente me chamou bem mais a atenção. É o "Histórias de Cachoeiro", autoria de Newton Braga, edição de 1986, um dos principais livros para quem quer conhecer a história de Cachoeiro escrita com responsabilidade, informações corretas e qualidade.

Comerciante que o amigo ambulante é, e consumidor de livro que sou, formamos uma situação perfeita. Ele me vende por uns vinte reais e cumpre sua missão; e eu compro o livro, cumprindo minha missão também. Conclusão perfeitíssima, tal qual dois e dois são quatro, imaginei eu, que sou intelectual e entendido dessas coisas pensadas pelos comerciantes de modo geral e de boa qualidade.

Qual o quê! Recebi um NÃO contundente do amigo comerciante. O livro não estava à venda, disse-me ele, sério. Ele mo daria, assim que lesse algumas páginas deles.

Fui embora, para o Café Mourads, claro, e por lá fiquei matutando, como fazer para ter o livro de Newton na minha estante, em uma das minhas estantes, para falar mais certo. Mas era certo que eu voltaria.

Na parte da tarde, voltei para meu "gabinete" no Café Mourads, mas, antes, passei pelo local de comércio do amigo ambulante, para tentar mais uma vez comprar o Newton Braga. Parei por lá, com aquela esperteza que intelectual acha que tem ("aumento um pouco o preço da compra, e vai dar tudo certo").

Qual o quê! Recebi mais um NÃO contundente do amigo comerciante. Ele se vira pra mim e me diz: - "O que eu queria fazer já fiz: li algumas páginas e gostei e, por isso, já posso passar o livro procê".

Juntando a fome com a vontade de comer, falo logo: - "Então te dou os vinte reais agora; melhor, trinta reais, se você quiser". Qual o quê!, pela terceira vez - ele me responde: - "É meu presente para você que gosta tanto de ler".

Fim da crônica verdadeira, mas se ele acha que vai passar a perna num libanês, descendente como sou, ele está muito enganado. Deixa quieto que vou fazer surpresa pra ele, no tamanho ou maior do que a consideração que ele teve por mim.

Esperem para ver, que eu conto mais à frente.

 

A Reforma do Teatro Rubem Braga

Qualquer livro de história que lermos, é certo que encontraremos referências a enchentes do rio que banha a cidade. São acontecimentos normais da natureza, sabemos disso. De outro lado, pela leitura dos mesmos livros, você verá também as imensas dificuldades que os primeiros moradores encontraram para se estabelecerem por aqui, por uma série de motivos, como o fato de, então, ser tudo novo e preponderantemente desconhecido e as áreas a serem ocupadas não estarem "prontas" para a ocupação, por uma série de fatores de topografia, como, por exemplo, uma grande quantidade de morros e mais.

Acontece que a vida não se sustenta apenas na leitura, hoje, de livros antigos. Se sustentasse, todos nossos problemas estariam resolvidos. Temos, sim, que nos adaptar à medida em que o tempo passa, vez que os poucos primeiros habitantes, agindo "errado" em relação à natureza, eram bem poucos em relação a efetivos e graves abusos contra a natureza, que pudessem cometer e certamente cometeram.

Pulando para tempos recentes, o que era "relativamente" permitido quando do inicio da construção da cidade vai se tornando efetivamente não permitido, quando limites são grosseiramente ultrapassados, como se vê aqui e ali e em lugares abaixo de nossos narizes.

Falo isso, no caso concreto, diretamente, quanto à ocupação do Rio Itapemirim (não só, mas principalmente) nas beiradas do rio, enquanto ele percorre a parte da cidade sobre cujo leito o cachoeirense invadiu.

Se, antigamente, os problemas, ainda que existentes, não superavam as "vantagens" da construção em cima e próxima ao leito do Itapemirim e de outros rios, agora, no presente, isso se inverteu completamente. Construir próximo à margem do rio e além do permitido pela lei ambiental, não só é crime, como pode levar pessoas à morte e trazer prejuízos irrecuperáveis.

O Teatro Municipal Rubem Braga foi construído em tempo de mudança. Mesmo nós (a quem nos chamam de ambientalistas, às vezes como se estivessem xingando), lá no tempo da construção do Teatro não fomos contra. Diria, não nos levantamos contra, não por covardia... não nos levantamos porque nunca - nós amadores - imaginaríamos que o teatro pudesse ser invadido pelas águas, como foi. E gostamos até hoje da construção do Teatro.

Agora temos novo questionamento - o que fazer no Teatro Municipal Rubem Braga? Derrubamos ou retornamos com ele, cheio de novidades técnicas caríssimas, como não "sói" acontecer nesses nossos tempos? Milhões.

Enchê-lo de novidades, tais como fiações exageradas, cadeiras tipo sofás e muito mais do que imaginamos, é - isso sim, cometer crime imperdoável e intencional.

De outra parte, derrubar o Teatro já construído, cuja parte estrutural está firme e forte, é cometer outro crime imperdoável e intencional, ao qual se agregará abandono de nossa cultura e desrespeito a centenas de pessoas executoras da cultura cachoeirense e de muito mais milhares de cachoeirenses que merecem ser inseridos na cultura local.

De minha parte, fico no meio termo: (a) nem abusamos no excesso de gastos na reforma do Teatro Municipal, os quais não valerão de nada quando vier a próxima cada vez mais enorme enchente e (b) nem deixemos o Teatro Rubem ficar fechado, como vem acontecendo há mais de dois anos, com uma certa "irresponsabilidade" (ou ignorância).

Sugiro, então, que a reforma seja feita, transformando o Teatro em centro de cultura firme, mas simples, sem excessos que serão destruídos pelo Rio Itapemirim, que só quer passar, como disse poetiza de nossa terra, a Scheilla Lobato.

E antes de terminar, quero tirar uma dúvida. O leitor ou alguém reclamou da construção do Teatro Rubem Braga à margem do Rio a mais de duas décadas? Se alguém reclamou e assinou embaixo em texto escrito - coisa que não fiz - é só falar comigo, que ganhará dois livros de Rubem Braga: - um porque reclamou, outro por ter tido coragem de assinar o texto. Tenho dito.

 

1868 - Grave Epidemia em Cachoeiro

Diz Basílio Carvalho Daemon (pág. 441 do seu "Província do Espírito Santo" - 2ª Ed. 2010 - APEES):

- "1868 -Neste ano, no mês de setembro, desenvolveu-se na vila de Itapemirim e na de São Pedro do Cachoeiro a horrível epidemia da varíola, fazendo inúmeras vítimas. O presidente da Câmara Municipal da vila de São Pedro do Cachoeiro, Basílio Carvalho Daemon, reuniu em seguida os vereadores, convidou o pároco e autoridades do município, com o fim de tomar prontas providências, deliberando-se a nomeação de comissões para o fim de agenciarem donativos e estabelecer-se um hospital para os pobres. Cabem ao comércio daquela vila louvores pela maneira por que se prestou com todo o necessário para a fundação de um hospital, que no fim de dois dias estava montado convenientemente e já contendo inúmeros variolosos. O presidente da província bacharel Luís Antônio Fernandes Pinheiro, ao receber a comunicação da Câmara Municipal, mandou imediatamente pôr à disposição da comissão a quantia de 400$000 para despesa de primeiro estabelecimento.

A comissão para manutenção do hospital foi incansável em promover recursos, visitando diariamente duas vezes aos enfermos. O caridoso pároco Manoel Leite de Sampaio e Melo dispensou à pobreza muitos atos de caridade dignos de louvor, já sustentando famílias desvalidas, já pagando amas de leite para as crianças cujas mães se achavam recolhidas ao hospital, já finalmente visitando os enfermos três vezes por dia e animando-os com palavras consoladoras. O terror foi tanto e tão intensa a epidemia que não se encontrava quem quisesse conduzir os cadáveres ao cemitério, sendo feito este serviço pelo vigário, por nós, pelo sacristão Camilo Reis e cidadão Manoel Justino.


Higner Mansur Advogado, guardião da cultura cachoeirense e, atamente, vereador

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