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Tenho uma amiga que possui tios e primos que residem em Nova Lima


Tenho uma amiga que possui tios e primos que residem em Nova Lima, região metropolitana de Minas Gerais com grande atividade mineraria eis que possui 26 barragens de rejeitos.

Após Mariana e Brumadinho, especialmente depois das prisões preventivas ocorridas nesta última tragédia, parece que algo foi aprendido. Ao menos, agora, os responsáveis pelo exercício da atividade de risco, que é a exploração de minério de ferro, parecem ter medo da Justiça e, preventivamente, estão agindo em Nova Lima, mas, ainda não atuam, junto aos moradores da região, com a cautela e com o zelo necessário.

Assim, apesar do que é noticiado, enquanto leitores e ouvintes, não conseguimos dimensionar o drama vivenciado pelos moradores do distrito de São Sebastião das Águas Claras, em Nova Lima. Isso porque, sejam os moradores evacuados (das áreas de risco) ou sejam os não evacuados (das áreas mais altas), todos tiveram a rotina profundamente alterada. Com isso, carregam em si o constante medo da morte e dos prejuízos materiais e ambientais que, caso a barragem rompa, ainda podem ser sofridos.

Ao conversar com minha amiga, pude perceber que os reflexos da "ação preventiva", acontecida na cidade mineira sob ameaça, ultrapassam seu espaço físico e atingem todas as regiões brasileiras onde residem parentes/amigos dos que, naquela localidade, habitam. Inclusive, em nosso pequeno Cachoeiro, vários parentes, de moradores "do lado de lá", seguem, do lado de cá, aflitos.

Não poderia ser diferente! Como estar tranquilo com o contexto vivenciado pelos tios/primos de minha amiga cachoeirense? Por óbvio a família segue preocupada. Vejam a síntese do que esses tios estão vivendo no distrito de São Sebastião das Águas Claras, em Nova Lima.

"Na noite do último sábado, auditores atestaram instabilidade da barragem B3/B4, da Mar Azul e a sirene de mina da Vale em Nova Lima foi tocada. O som estrondeante assustou os moradores que, sem treinamento, não conheciam a rota de fuga. Assim, ficaram sem ação e sentiram que, como em Brumadinho, (um ferida ainda aberta em nossas almas) não sobreviveriam. Cerca de 200 pessoas foram obrigadas a deixar suas casas. Os tios da minha amiga, moradores da parte alta, até o momento, não puderam sair, pois não seriam alocados em alojamentos ou hotéis. Todavia, agora estão literalmente "ilhados". Uma prima, filha do casal, que estava em outra região de Belo Horizonte no sábado, está impedida de retornar ao lar. Apesar disso, a Vale não está prestando qualquer informação aos moradores que permaneceram isolados em suas residências."           

Uma barreira em prol da vida foi instaurada: ninguém entra e ninguém sai. Todavia, ninguém sabe também quanto tempo isso vai durar; como a comida vai chegar; quando os parentes poderão se reencontrar; se a barragem vai estourar. Não sabem quando poderão ir trabalhar e, ante a ausência, quem vai pagar o salário no fim do mês... Enfim, apesar de terem sido promovidas atitudes com fim de se evitar as tragédias anteriores, estas ainda estão muito aquém às que se fazem necessárias. Afinal, foi concedida licença à Vale para o exercício de atividade de grande risco, logo, é responsável.

Mais uma vez, o capitalismo selvagem e a ganância elevada causam danos imensuráveis. Graças a Deus (espero que continue assim) vidas estão sendo preservadas, mas, o abalo emocional, a incerteza e os medos que os moradores, das regiões com barragens, estão experimentando, são enormes. Só quem está afastado do lar ou preso nele, sabe a dimensão da angústia enfrentada. Nós só ouvimos dizer!

É Brasil! É o país do povo sofredor! Até quando impérios econômicos tentam fazer o que é certo, o fazem de modo errado ou não satisfatório.

 

Katiuscia Oliveira de Souza Marins  


Katiuscia Marins Colunista/Jornal Fato Advogada e professora

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