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Semana passada foi difícil lá em casa


Semana passada foi difícil lá em casa: minha caçula, acometida de forte crise de otite e de inflamação na garganta, dias depois de medicada, ainda sentia dores causadas por estas infecções. Seu sofrimento deixava toda a casa entristecida. Somente depois de melhorar os sintomas, de voltar a sorrir e a fazer graça, a luz voltou a brilhar com toda sua luminosidade.  

Em meio a isto, nos noticiários, acompanhei o desenrolar da investigação da morte do menino Henry Borel, criança de 04 anos, violentamente assassinada dentro de um apartamento de luxo, no Rio de Janeiro, onde apenas estavam a criança, a genitora e o padrasto.

Embora presumível, o desfecho do inquérito policial me doeu, principalmente depois da prisão da mãe e do padrasto da vítima. Não por eles, que irão colher o que plantaram, mas pelas revelações advindas das provas trazidas ao púbico.

Foi dolorido saber que uma criança experimentava um cotidiano de violências, conhecidas pela genitora, mas ignoradas por quem tem o dever legal de proteção. Como filha e como mãe, experimento que, em geral, na hora da dor, é o nome da mãe que chamamos, mas o Henry não. Ele foi forçado a se calar.

Contudo, apesar de respeitar o direito constitucional de defesa que a todos alcança, não posso ignorar a dor da criança. Tampouco consigo não pensar nos meus filhos, sobrinhos, .... Assim, deparo-me a imaginar o menino, ainda tão frágil e doce, em meio ao conforto, que a tantos falta, mas sendo vítima do abandono, da humilhação e da violência em múltiplas dimensões. E, se já não bastasse tamanha dor, era coagido a suportar tudo sozinho. Afinal, quem poderia acreditar no choro de um criança contra um adulto bem sucedido e influente?

Reflito ainda sobre o pai que, alheio aos fatos cotidianos, não poderia mensurar a perda do filho. Por certo, uma pessoa normal não é capaz de crer em tamanha covardia. Apesar disto, desde o fatídico dia, carrega em si o sentimento de culpa: por não ter percebido; por não ter defendido; por não ter segurado junto de si seu filho amado.

Nesse contexto, peguei-me a indagar: quem de nós seria capaz de prever absurda violência? Ademais, sem uma guarda definida e sem conhecimento das agressões, como o genitor poderia impedir o contato do filho com a mãe, pessoa que detinha a guarda, no mínimo, verbal?

Em meio aos devaneios que teimam em me afligir, tento entender como uma mãe pode ter ciência de tamanha violência e, mesmo assim, ficar ao lado. Ao lado do filho? Não, do carrasco.

Como dói, seja como mãe, seja como ser humano, seja como cristã,..., ver o quanto algumas pessoas podem ser tão sombrias e tão más e, apesar disto, aptas a construir máscaras de cordeiros.

Como o desejo pelo poder, pelo dinheiro, por status, pela aparência, que o tempo corrói, (amor não pode ser) é capaz de transformar uma mãe atenciosa em cúmplice? Como entender que um homem seja capaz de destruir tão facilmente sua própria espécie e, pior, do mesmo grupo familiar (sanguíneo ou por afinidade)?

Meu Deus, sendo quem És, você errou ao criar o homem!? O que ocorreu com a perfeita criação? Cristo, será que se arrependeu de nos justificar pelo Seu sangue!? Que vida é essa!? Que mundo é esse!? Que raça somos nós que teima em surpreender por sua astúcia e maldade, seja a revelada nas simples atitudes, que causam pequenos danos, seja a vislumbrada nas amplas iniquidades que geram enorme dor.

O mais triste é que existem muitos Henrys que todos os dias são agredidos, são silenciados e seus gritos mudos nunca chegarão aos noticiários, mas que, apesar disto, levarão por toda sua vida, quiçá às suas gerações futuras, os traumas e as dores de suas experiências, estas agravadas pela omissão no dever de socorro.  

Como dói ver que, no homem, por vezes, há mais de bicho que de gente, mas com um agravante: bicho age por instinto, o homem, não. Este reflete o que transborda dentro dele e, hoje, vivemos numa sociedade que busca a paz, mas com transbordos de indiferença, de violência, de ganância, de maldade, de prepotência,...

Que a misericórdia de Deus nos alcance e nos transforme o necessário para que possamos conviver numa sociedade na qual o amor, de fato (de aparência não), sobressaia; que esta trágica experiência IMPEÇA que os milhares de outros "Henrys" tenham o mesmo fim. Esta é minha oração neste dia, e a sua?


Katiuscia Marins Colunista/Jornal Fato Advogada e professora

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