Sorte - Jornal Fato
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Sorte

Formavam um belo casal. Não desses de comercial de margarina. Mas, harmoniosamente, combinavam.


Não pareciam casados, embora fossem, porque não traziam consigo qualquer aspecto que lembrasse tédio ou falta de encantamento. Podiam estar na casa deles, de amigos, em um bar modesto ou em um belo restaurante. Conversavam bastante e, quando ficavam quietos, não era um silêncio constrangedor. Pelo contrário. Era a quietude tranquila de quem sabe que o outro está ali, seguramente e permanentemente por perto. O comportamento em público nunca era indevido, mas não perdiam a oportunidade de trocar um carinho, um leve abraço ou um beijo na testa. Gestos usuais e corriqueiros na vida deles. Parte do amor sólido que sentiam um pelo outro.

Mesmo vivendo sob o mesmo teto, falavam olhando-se nos olhos, devagar, sem pressa de acabar logo para correrem para suas novelas ou jogos de futebol. Não estavam rodeados de amigos em todos os lugares que iam. Primeiro, porque se bastavam. Depois, porque eram os grandes amigos um do outro. Melhores amigos. Os demais agregavam, compunham, festejavam. Mas não eram a essência. Não tinham a necessidade de música e gentes e brindes e festas e luzes piscando todos os dias. Era bom quando tinha, mas também era quando não tinha.

Construíram assim. Inteiros, verdadeiros, seguros, próximos e cúmplices. O sentimento, recíproco, tinha profundidade, intensidade e certeza. As falas eram entrecortadas por olhares de admiração. Estarem um na presença do outro sempre foi tão prazeroso que quem estivesse passando por perto era capaz de sentir isso no ar, ao ponto de quase poder tocar.

Formavam um belo casal. Não desses de comercial de margarina. Mas, harmoniosamente, combinavam. Juntos, somavam tudo o que um casal podia ser. Quando se afastavam, sentiam saudade. Sem desespero. Apenas aquela falta do hábito, do cheiro, da respiração bem próxima. Dividiam as contas, as obrigações, as tarefas, os cuidados, o tempo, a comida, a água, a vida, as histórias, os perrengues, os sonhos. Andavam abraçados ou com as mãos dadas, menos por costume e mais por vontade de estarem assim. Desejavam-se com os corações aos pulos, como se fosse a primeira vez.

Não dá para mensurar quantas pessoas no mundo tiveram o mesmo êxito. Viam muitos dizerem que o amor é lindo morrendo de rir no final da frase, como se fosse uma piada. O amor é lindo sim, e isso é sério. Mas só dava certo porque já tinham entendido que não é o suficiente. É preciso mais. E isso também tinham. O amor, o algo mais e a vontade do para sempre. Mas não importa como tratam as relações lá fora. Cada um que cuide do que tem que cuidar. Eles escolheram, com toda liberdade do mundo, um ao outro. Deram uma sorte danada.


Paula Garruth Colunista

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