Contos e poesias - Jornal Fato
Artigos

Contos e poesias


- Foto Ilustrativa

Na pandemia dos nossos tempos, séc. XXI, do novo coronavírus (Covid-19), com a determinação do isolamento e distanciamento social após decretação de estado de calamidade pública em todo o país (estados e municípios), procuro ocupar o tempo com exercícios para a mente e o físico. Para a harmonia e bem estar do corpo necessitamos fortalecer e exercitar a musculatura abdominal, respiratória e dos membros superiores e inferiores, bem como os neurônios para uma boa atividade cognitiva. Afinal, além da atividade muscular, necessitamos pensar e memorizar para provarmos que estamos vivos e saudáveis. Com a proibição das academias de ginásticas realizo os exercícios na sala de estar, em frente à televisão. Associado ao uso de pesos, elásticos e abdominais, acompanho melodias de tempos atrás. Ouvi Little Richard, o criador do rock and roll. Timidamente dancei Tutti Frutti, retornei à adolescência e aos meus cabelos que se assemelhavam ao black-power.


Para o exercício da mente, deixo espalhados os livros, jornais e revistas na varanda do apartamento. Os títulos nas capas vão se alternando entre crônicas, contos e poesias até me ater no meu gênero preferido: os contos. Sempre me atraiu o texto curto. Na narrativa curta em que a essência dos conflitos humanos são desvendados com maestria por Machado de Assis, Edgar Allan Poe, Anton Tchekhov, Guy Maupassant... Li o conto: O relógio de ouro, de Machado de Assis. No desenrolar do pequeno texto: mistérios e dúvidas de uma traição amorosa. Os personagens Clarinha e Luis Negreiros se antecipam ao romance Dom Casmurro de anos depois. Interrompo a leitura, Fabiola me chama para o café da tarde.

Após o café, aponta para a pia da cozinha e divide as tarefas de limpeza. Junto xícaras e talheres, poucos utensílios de um casal em isolamento social. Abro a torneira, escorro a água e retiro os resíduos da faca, colher e garfo. No momento em que a água escorre, pareço anestesiado. No dia seguinte, na segunda cedo, retorno ao hospital. Ouço Drummond: "Provisoriamente não cantaremos o amor, que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos. Cantaremos o medo..." Volto aos talheres e xícaras, esfrego a bucha e o detergente. Busco os clássicos para entender a melancolia que me invade: "Um tipo de loucura sem febre, tendo como companheiros o temor e a tristeza sem nenhuma razão aparente." Termino de enxaguar os talheres e xícaras.

Seco a pia e a bancada. Com esmero deixo bem seco, reluzindo. Fico satisfeito com o trabalho realizado. Uma satisfação em realizar a limpeza da cozinha, os instantes de solidão ali passado vão se alternando entre a melancolia e esperança. Instantes, apenas isso. Logo, as noticias pelo WhatsApp são alvissareiras: os filhos e netos encontram-se bem. Em São Paulo, em vídeo, Bernardo carrega uma revista, nela eu me encontrava, pela sala do apartamento ele procura a mãe e diz: vovô Sergio! Na alegria da postagem do WhatsApp esqueci o medo de fim de tarde. Terminei o domingo invadido pela alegria dos dois anos de Bernardo e a paz dos poucos dias de vida do João Vitor. Esperança imensa de dias melhores.

Sergio Damião Sant'Anna Moraes


Sergio Damião Médico e cronista

Comentários