Mundo dos Quietos - Jornal Fato
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Mundo dos Quietos


"A mãe reparou que o menino gostava mais do vazio do que do cheio. Falava que os vazios são maiores e até infinitos." Manoel de Barros 

 

Não era dado a felicidades escandalosas, nem aparições fora de hora, tampouco multidões. Desde criança preferia o silêncio, a intimidade, a conversa. Os de fora recomendavam que os pais procurassem um médico para tratar aquele menino triste. Podia ser depressão. Acontece com as crianças também. O garoto não entendia porque sua alegria não expressada era um constante incômodo, uma incompletude na casa.

 

O teste continuava sendo reuniões sociais, festas de família e trabalho em equipe. Interagir é a palavra da moda. Rede de relacionamentos, networking, feedbacks, terapia em grupo, cursos para casais... nada atraía aquele olhar sobre todas as coisas do mundo e, ao mesmo tempo, sobre o nada. A mulher sugeriu um dia que tivesse déficit de atenção. Um diagnóstico preciso mudaria aquela rotina tão inexpressiva, de conversas sem sentido sobre a origem da humanidade, Machado de Assis e a crise energética; de silêncios na varanda enquanto tocava Billie Holliday e passeios matinais de mãos dadas por caminhos incansavelmente vistos. O uísque às sextas-feiras com os mesmos amigos, um pacto secreto sobre compromissos adiáveis e dispensáveis, com a missão de equilibrar a vida lá fora.

 

A vida interior, porém, não era branda. De convivência nada harmoniosa com os vazios intermináveis da existência humana e plena falta de resiliência com as dores do mundo. Por dentro alinhavava-se: nas estações do ano não saber nada em profundidade; na palavra encontrar gente dentro dela; e na arte desfazer-se do normal. Dos tempos de menino guardara a voz mansa do pai dizendo: pode correr lá fora, daqui estou vendo você. A palavra sempre salvou aquele menino. Mesmo quando fora imposta, ela caçava jeito de ser livre, sair voando.

 

Cresceu assim, perto das letras, das sílabas, das frases. Sem vaidades, embora comumente comparavam seu distanciamento à desimportância com as coisas do mundo. Com o tempo ajeitou cada palavra no seu devido lugar e acostumou-se com elas, como se fossem botões sem pressa para desabrochar. As palavras têm comportamentos inusitados, por vezes incontroláveis. Oprimem ou libertam. Depende de como as tratam.

 

Na quietude o homem escolhe para sempre seu destino: viver em sua paz enquanto tenta amenizar o desassossego das pessoas.

 


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