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Padarias


 

A sociedade encontra-se doente. Uma doença chamada violência. O grande mal da atualidade. Os indicadores sociais pioram dia após dia, piora o atendimento em saúde, diminuem o aprendizado da educação (técnica e comportamental) e cresceram consequentemente os homicídios. Tudo leva a crer que a piora é inevitável. Mesmo em países desenvolvidos economicamente a realidade não é diferente, muda apenas a forma de apresentação do ato violento. A agressividade é dependente das pessoas, e as pessoas moldam a sociedade, e a humanidade é única, nossos desejos e ações se assemelham. As tentativas de isolamento não se concretizam. Morro, periferia e asfalto em algum momento se encontrarão. Não conseguiremos viver em ilhas, o paraíso não persistirá por toda uma vida. Se não cuidarmos uns dos outros, o inferno virá.

Os vários locais de moradia do ser humano são descritos em livros, especialmente com os contistas. Na atualidade nos vemos mais nos noticiários televisivos ou no dia a dia de nossas ruas. A qualquer momento do dia nos encontramos com a violência. A bala perdida não nos deixa esquecer. Ela se encontrará em nosso corpo, ou no corpo do vizinho, do amigo, parente... A dor é enorme, sabemos que a qualquer instante, o corpo caído poderá ser o nosso. O medo se aproxima, não estamos seguros.

Procuro os contos para o entendimento da atualidade. Busco a fantasia dos textos curtos. Leio Machado de Assis - Teoria do Medalhão, O Alienista, O espelho, Verba Testamentária... Nesses Papéis Avulsos, no Rio de Janeiro provinciano de cem anos atrás, o perfil humano dos personagens desnudam sentimentos confusos, começam a desenhar o ser atual, ainda sem grande ímpeto, mas já apresentando o desejo de poder e dominação. Comparo os contos machadianos aos textos iniciais de Rubem Fonseca, o ambiente continua carioca, essência fluminense, a violência é nacional, tipicamente brasileira. As pequenas histórias do Rubem são dos anos sessenta e setenta, cem anos depois do Machado, se sobressaem as angústias, drogas e a sexualidade erotizada e perturbadora da Força humana, Lúcia McCartney e A Coleira do Cão. Tento o contraponto, procuro os relatos do russo Anton Tchekhov, os dramas se assemelham aos de Machado de Assis, em minúcias e com precisão, são apresentadas as razões da alma humana para a impulsividade, ceticismo, dissimulação e o querer do poder e dominação. Gradativamente, em textos como No asilo para velhos e doentes incuráveis, Anyuta e em Um homem extraordinário, percebemos o que nos faz tão confusos para o viver. Descreve o ser humano em toda sua imprecisão, suas maldades e bondades, vícios e virtudes, se alternando em seus eternos conflitos. Dificultando o discernimento e aproveitamento do melhor da vida.

Apesar de toda realidade, busco o melhor das nossas posses nos arredores da minha moradia. Procuro uma padaria. No Brasil cada vez mais se sofisticam, lembram os Cafés, Brasseries e Crêperies parisienses. Por causa dela, e pelas coisas que vejo ao caminhar, vivo bem mais tranquilo. Os medos e receios estão acomodados. A minha padaria fica a poucos metros do meu apartamento. Procure a sua. Assim, viverá melhor.

 

Sergio Damião Santana Moraes


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