Encantador de Colibris - Jornal Fato
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Encantador de Colibris

Sou, creio que desde sempre, apaixonada por pássaros. Soltos na natureza, que fique muito claro. Os vôos sincronizados


Sou, creio que desde sempre, apaixonada por pássaros. Soltos na natureza, que fique muito claro. Os vôos sincronizados, o agitado bater de asas e a cantoria logo cedo me encantam. É um frenesi matinal que faz crer que o dia será perfeito, se é que há perfeição em tempos tão difíceis.

Certo ou errado, fato é que coloco bebedouros nos galhos das árvores e jogo canjiquinha no quintal para que a visita nossa de cada dia não seja vã e possa se alimentar e saciar a sede. É como servir café da manhã a quem recebemos prazerosamente em casa. Confesso que, se pudesse, trataria apenas dos canarinhos belgas, que salpicam o chão de amarelo, tanto quanto a canjiquinha que lhes é servida, mas as rolinhas, maiores, mais agitadas e barulhentas, chegam com as asas levantadas, em posição de ataque, espantando a todos e dominando o espaço, afugentando os meus preferidos, que só comem depois que as grandalhonas estão saciadas.

Meus canarinhos fazem bem aos olhos e ao coração. Tem também os beija-flores, que flanam com toda a leveza no ar e são sedentos, esvaziando rapidamente os bebedouros. Fico atenta para não deixá-los com sede, como se dependessem de mim para sobreviver. Pura ilusão. Eu dependo deles para alegrar os meus dias. Para me perder em pensamentos e sonhos enquanto imagino o quanto a natureza é perfeita.

E nessa ilusão de que cuido de cada beija-flor, resolvi tirar o açúcar da água, para que ficassem saudáveis e não corressem o risco de uma diabetes avicular, se é que isso é possível. Dois dias depois, o recipiente estava com água praticamente na mesma altura. Minha preocupação e cuidado não encontrou ressonância entre meus visitantes. Na experiência seguinte, deduzi que o mel seria perfeito para misturar na água. Mais natural impossível. Da natureza para suas espécies. Novo fracasso. A mistura não foi aprovada, e após vários dias resolvi jogar tudo fora, lavar os bebedouros e colocar a boa e velha mistura de água e açúcar, que foi absorvida com algazarra e bater frenético de asas rapidamente.

Aprendi com isso que não sabemos o que é melhor para os outros, por mais que estejamos bem intencionados, ou que arrogantemente nos coloquemos como sabe-tudo, mesmo quando nossa opinião não foi solicitada e nem é desejada. Ao contrário, é completamente dispensável.

Então no amor, no sexo, na vida, não devemos tomar decisões que impactem a vida de terceiros sem que isso seja muito bem discutido e avaliado. Sem que tenhamos certeza de que vamos somar e agregar valor. Se os passarinhos falassem, imagino-os perguntando "quem você pensa que é para mudar a mistura da nossa água"?

A paixão pelos meus pássaros é dos prazeres simples da vida que faço questão de preservar. Da mesma forma que catar minhas jabuticabas e maracujás no pé.

Confesso que por um bom tempo, ao olhar os beija-flores vou me lembrar do nosso querido encantador de colibris José Carlos de Oliveira, que nos deixou essa semana. A vida é um sopro e vamos nos esvaziando de afetos.

Mais do que nunca é tempo de nos mantermos firmes porque temos vividos dias muito difíceis. É tempo de deixar abertas as janelas da alma e do coração para que as coisas simples e singelas da vida nos sustentem e reebergizem. Não é preciso tanto para ser feliz. Olhai os lírios do campo.


Anete Lacerda Jornalista

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