Encanto perdido - Jornal Fato
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Encanto perdido

Encanto! A palavra surge na mente de Carlos


Encanto! A palavra surge na mente de Carlos. Tal qual uma epifania. Espantava-se. A conclusão era lógica e explicava a paixão amorosa. Justificava o deslumbramento que sentiu, e sentia, por Márcia. Não explicava tudo, é verdade. Mas justificava os desejos ardorosos, a vontade de vê-la e até os momentos de angústia. Explicava os momentos mágicos que viveram. A magia dos beijos, abraços... A magia de encontros em corpos suados e ardentes. Em suas lembranças mostrava-se feliz. Nas lembranças dos seus momentos vividos, encontrava-se completo. Gostava da magia das lembranças. Voltava à realidade e aos poucos se esquecia de lembrar. As lembranças desapareciam de sua mente. Gradativamente apagava-se o colorido de sua memória. Restava uma imagem em preto e branco. Lembrança e encantamento fugiam do seu pensamento. Com a mente vazia, o corpo esfriava, não reagia aos diversos estímulos. Desapareciam as sensações em peito, braços e pernas. Sentia um vazio imenso. A distância de Márcia levava a isso: vazio e a falta do encanto. Ela justificava: vai evitar sofrimentos. O tempo e a distância facilitaria o esquecimento, completava. Não lembrar diminuiria a paixão. A paixão depende das lembranças, me esqueça, dizia. O não pensar apaga o fogo da paixão e o encanto desaparece, era o que ela pensava. A paixão leva a riscos, tinha medo, completava. Desejava algo mais, não sabia explicar. Ele não parecia ouvir. Desejava o momento, o contato físico. Ele desejava o prazer. Ela avaliava perigos. Ele seduzia. Ela resistia aos desejos. Ele fugia das responsabilidades. Ela buscava a segurança. Ele evitava conversar. Ela queria o diálogo. Ele olhava e a desnudava. Ela buscava o olhar. Ele admirava o corpo nu.  Ela...

Carlos retorna às lembranças. Nelas buscava o alento para a saudade. Em seus últimos encontros percebia as mudanças. Eram sutis, porém esclarecedoras. Cada vez menos frequentes. Tempos curtos e de menor intensidade. Angústias no ar. Lágrimas em olhares. Olhares fugidios. Toques leves. Mãos afastadas. Algo se esvaindo dos corpos presentes. Um fim em formação. Ele, desesperadamente, procurava despertar os desejos. Ela apresentava-se decidida. A paixão era substituída pela razão. A racionalidade humana se sobressaindo. Desfazendo loucuras da paixão amorosa. A racionalidade expondo o medo das consequências. Permanecia o amor, mas não era suficiente para afastar o medo. A racionalidade trazia outros sentimentos. A racionalidade trazia a culpa. Ele: não é o fim. Um dia voltaremos a nos encontrar. Ela: quem sabe um dia... Passaram-se vinte anos desde aquele instante de palavras vazias. Ainda existiam resquícios da volúpia, pensou Carlos. Suas lembranças foram interrompidas. O medico retorna e conta sobre os resultados dos exames laboratoriais. Todos normais - eletrocardiograma e enzimas miocárdicas. Eram nove horas da manhã. Duas horas na poltrona do Pronto Atendimento, parecia uma eternidade. Permanecia como na chegada, aflito pela falta de um diagnóstico. Permanecia na ignorância. A dor torácica persistia: ora de forte intensidade; ora mais leve.  O médico mostra-se preocupado.

 

Sergio Damião Santana Moraes

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Sergio Damião Médico e cronista

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