Momentos - Jornal Fato
Artigos

Momentos

Lembrava da vida fora das paredes do hospital, dos desejos e pensamentos tristes...


- Foto Reprodução Web

A vida é boa! Viver é bom! Mesmo que, por alguns instantes, segundos, minutos, horas ou dias, tempo longo ou curto, fique a impressão do contrário. Mais ainda nos momentos melancólicos, em dias sofridos, períodos de desgaste físico ou mental. Para os resilientes, um período curto, são instantes de tristezas. Para estes, a dor física e da alma praticamente não existe. Nestes, a dor da alma se esconde em parte profunda do cérebro, em memória bem distante, permanecem guardadas por toda vida. Nunca se manifesta. Para as pessoas sensíveis, e vulneráveis, a dor se perpetua, permanece uma eternidade. Um tempo individual, a dor se manifesta com as pequenas coisas, por uma palavra ouvida ou dita, pela falta da palavra, falta do sorriso ou do abraço, do aperto de uma mão, pelo choro de uma criança, pelo abandono de uma pessoa ou animal. Manifestam-se por tempo, e forma, variadas. Nesses humanos sensíveis: a dor, alegria e tristeza daquele que está em sua volta o afeta demasiadamente.

Pelos corredores do hospital ela se escondia, escondia-se no pátio, sob uma árvore ou em pequenos bancos. Escondia-se no leito da enfermaria hospitalar, fingia dormir, parecia alheia ao mundo. Estava em todos os lugares e em lugar nenhum. Pouco falava, evitava os demais pacientes. As visitas nosocomiais eram raras, bem esporádicas, quase uma obrigação para os familiares. Com seu jeito amargo e disperso afastava aquele que se aproximava. Apesar do isolamento, sentia-se segura. Lembrava da vida fora das paredes do hospital, dos desejos e pensamentos tristes, a retirada da vida como saída para as amarguras e dores. Nas aparências, nenhuma dor, apenas um leve rubor facial. Por isso, não a entendiam. Por não se deixar ver, e por não entenderem, acreditavam que as razões do sofrimento não podiam existir. Para todo efeito, o sofrimento deveria estar aparente, visto e tocado, na pele, em seu corpo alguma marca deveria existir. Algo para ser visto, como prova do sofrimento. Para aqueles que a conheciam, um desatino. A mudança acontecera subitamente, coisa de dias, horas, como um vulcão em ebulição. Algo guardado em memória e, de repente, aparece em um corpo perfeito. Uma mente desfeita em questão de minutos. Ela não se conhecia, concluiu. Buscava a verdade. Não existia a verdade. Era aquilo que a viam ou o que deixava ver. Vivia aquilo que queriam que fosse. Gradativamente mudou. Transformou-se após dias passados em reclusão. Dia após dia evitou se esconder. Alegrava-se com as palavras. Passou a conhecer-se. Entender necessidades. Primeiro as suas, para então entender a dos outros. Ouvia e sentia. Entendia as dores dos outros, aceitava suas dores. A melancolia e a tristeza foram desaparecendo. Os amigos retornaram e a buscaram, encontravam-se na porta da instituição psiquiátrica. Passara os dias em reclusão, inclusive o de São Pedro, o da festa de Cachoeiro, sua cidade. Não assistiu pelas ruas e praças a banda do Liceu, uma lembrança do tempo de criança e dos pais. Aproximava-se o Natal e o Ano Novo. A esperança...


Sergio Damião Médico e cronista

Comentários