Na calada da noite - Jornal Fato
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Na calada da noite

O silêncio da madrugada foi interrompido por um vazamento de água no vizinho


- Foto Reprodução Web

O visor do celular mostrava: três horas e trinta minutos (03:30). Uma madrugada amena em vista dos dias iniciais do mês de dezembro e do verão, diferente dos meses mais quentes em décadas, diferente de tempos e de calor excessivo esperado. Com a noite agradável, em temperatura e nas condições climáticas, ele encontrava-se em sono profundo. Ouve, ainda que distante, a voz da mulher: O barulho parece um vazamento de água...  Ela encontrava-se próximo à porta do banheiro. Ele desperta lentamente, sonolento, lento nos pensamentos e movimentos, demora em entender as palavras femininas pronunciadas. Ela insiste, após vê-lo desperto: Ouça...  É um vazamento d'água, não tenho dúvidas. No banheiro do apartamento do quarto acima, pensou. O que fazer? Feriado prolongado, início de um novo ano, muitos viajando, com certeza o apartamento acima encontrava-se vazio. Sem uma alma se quer. Levanta-se e procura a cozinha e o interfone. Com os óculos em face, comprime o número nove. Na portaria do prédio, o interfone toca algumas vezes. O porteiro com o ar e voz sonolenta, pergunta quem fala. Ele identifica-se e explica o motivo da ligação. Ouve, em resposta, o que pressentia: O porteiro não sabia informar se os moradores encontravam-se em apartamento andar acima. Eram moradores recentes no prédio e pouco conhecidos. De qualquer maneira, pela urgência dos fatos, faria o contato em seguida. Ele agradeceu, desejou boa noite e desligou o interfone. Uma sensação de dever cumprido.

No retorno ao quarto, com o silêncio da madrugada, ao se aproximar da cama de dormir, o som de água escorrendo se intensificava. Ao deitar, bem próximo da porta do banheiro, ouvia: Chooó... Chooó... Chooó...  Um barulho, um ruído, um som ameaçador. Apesar do sentimento do cumprimento do dever, pelo perigo iminente, algo o incomodava. Quando deitado, a mulher se achega e sussurra: E se for um cano furado na parede do banheiro acima? Será que vai acontecer infiltrações em reboco e pintura do banheiro abaixo? E se for uma torneira de pia do banheiro acima? Ou uma descarga do vaso sanitário do banheiro acima? Teremos água no prédio durante o dia de amanhã? Como farei o almoço? Pronto. Os sussurros inundaram de dúvidas a mente, em plena madrugada de uma noite silenciosa. Com os questionamentos, a sensação de dever cumprido desapareceu instantaneamente. O sono desapareceu, assim como a chance de retorno dos sonhos interrompidos. Revirava-se na cama, mexia lençol e travesseiro. Procurava alternativas e solução em meio ao silêncio de uma madrugada de uma noite de verão. De repente... O silêncio total. Nada se ouvia. Desaparecera o Chooó...  Ela diz: Parou. Ele confirma: É... Acabou. Vamos dormir, ele diz.  Ela: Mas...  Se o porteiro ligar para saber sobre o barulho. Não é melhor ligar para a portaria? Questiona. Ele, mesmo sem saber o certo, levanta-se e procura o interfone. Em instantes informa: o barulho sumiu. O porteiro diz: Liguei para a moradora. Ela atendeu, disse alô, esperou eu terminar de falar e desligou o interfone. Ele agradeceu e deu bom fim de noite ao porteiro. Foi para a sacada do apartamento. Sentou. E, aguardou o alvorecer do dia.


Sergio Damião Médico e cronista

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