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O ser humano sempre buscou a continuação após a morte biológica. As crenças, os mitos e religiões contribuíram nessa busca


- Foto Reprodução Web

A vida na terra não nos basta. É a impressão que fica desde a antiguidade. O ser humano sempre buscou a continuação após a morte biológica. As crenças, os mitos e religiões contribuíram nessa busca. A filosofia também, de modo diferente, com a sabedoria e conhecimento, utilizando a inteligência do homem. Mas, o que mais instiga é o medo do fim, o mistério e as nossas incertezas.

Apesar do medo da finitude e saber que o fim é mais rápido em nossa aparência - coisas do corpo: cabelo, olhos, pele, músculos... Mesmo assim procuramos muito poucas coisas duradouras e imutáveis. Coisas como: nosso mundo interior, o repouso da alma, seja lá o que isso significa.

Buscamos a todo o momento o mundo das aparências, os prazeres são mais rápidos, menos trabalhosos e com menos vínculos. Nesses prazeres momentâneos arriscamos perder as coisas construídas no tempo. Queremos a vida interior nos momentos das fragilidades. Um desses momentos é na doença. Prometemos mudanças, juramos fidelidade, e logo esquecemos na convalescença. Nem mesmo esperamos a cura. Uma pequena melhora é suficiente para esquecermos e voltarmos à procura do prazer sem fim. Um drama individual pela não satisfação nos prazeres cotidianos.

A doença, e a dor física, é um grande teste para o ser humano. O risco da morte nos faz pensar. Instigante é assistir os que superam o medo e aceitam a dor e as fatalidades. Preparam-se em vida para o fim inevitável. De todas as coisas belas no ser humano o que me impressiona e alegra é a beleza da paz que transpiram aqueles que a emanam do interior. Não a paz dos vitoriosos em um concurso público, em um jogo de futebol, ou outros tipos de competição, essas imagens são passageiras, ela desaparece, pois, existe a necessidade de novas vitórias e aí o retorno da aflição e angústia. A paz que aparece do interior, aquela que é alcançada pelo simples prazer de viver, essa nos contagia, é como se mostrasse: eu não só vivo a vida, eu a desejo.

Para os racionais não é tão simples viver a vida dos sentimentos. Apesar da necessidade das emoções em nossas vidas, até para a tomada de decisões, ainda assim ela não se apresenta para muitos. Emoção não se liberta facilmente. Usar os sentidos e seduzir com o sorriso é mais fácil. Enganam com a paz aparente.

Em um dos hospitais que visitei, encontrei um dos doentes (crônico e degenerativo) conversando, pela maneira que conversava e olhava para a pessoa ao seu lado, aparentava um consolo. Ele a consolava. No olhar dizia: não se preocupe, eu estou bem. A aflição demonstrada pelo familiar deixou-me com a dúvida de quem era o doente. Em outra ocasião, muito tempo atrás, conheci um rapaz jovem, vivia bêbado. Certa vez, em estado de embriagues, acidentou-se de uma grande altura e tornou-se tetraplégico. Anos depois, recuperou alguns pequenos movimentos dos membros superiores, bem pouco, abandonou a bebida, recuperou a lucidez, casou-se e cuidou do enteado como seu filho biológico. Recuperou a vida e a saúde.


Sergio Damião Médico e cronista

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