O rio, o bêbado e o louco - Jornal Fato
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O rio, o bêbado e o louco

Nos dizeres do tema para o Concurso de Crônicas da Academia Cachoeirense de Letras, o Rio é o espelho de sua cidade


- Foto: Cachoeiro em Preto e Branco

O bêbado encontrava-se logo abaixo da Ponte de Ferro. A ponte cruza o Rio Itapemirim. Nos dizeres do tema para o Concurso de Crônicas da Academia Cachoeirense de Letras (ACL), o Rio é o espelho de sua cidade. E sobre o rio viajaram os estudantes Ana, Pedro, Julianne, Amanda e Betina. Era bem cedo e apesar do dia claro, do sol e das águas límpidas do rio, ele permanecia imóvel, respirava calmamente como uma criança em um leito materno. Os transeuntes apenas observavam e nada comentavam. Ele permanecia deitado, em sono profundo, aparentemente tranquilo. Invejei a tranquilidade do deitar. A agitação do meu sono noturno deixara marcas nos lençóis. Logo despertei do sentimento, ao perceber o concreto frio, duro e sujo sob o corpo. Segui em minha andança, segui indiferente, como o restante das pessoas, e assim, também, seguiu o rio. Indiferente, e em silêncio, naquele trecho, próximo à Ponte de Ferro, suas águas silenciam. Segui a caminhada. Virei o rosto em direção à Praça de Fátima, um homem forte e alto se destaca, logo percebo que falava em alto e bom som, gesticulava bastante, mesmo com o silêncio do rio e os poucos carros pela Avenida, as palavras soavam sem nexo, nada entendia. Em instantes percebi, tratava-se de um alienado. Seguimos em direções opostas. Segui à beira do rio, margeando seu leito, busquei os ruídos de suas águas, observei as pontes menores bem à frente, ainda que de concreto, formavam uma imagem apaziguadora. Busquei o entendimento das coisas, um raciocínio lógico, e ele seguiu seu destino, seguiu a mesma direção do rio, em busca do mar. Caminhava sozinho. Solitário como todos nós.

No último fim de semana, estava em Vila Velha, fim de tarde de domingo, me preparava para retornar a Cachoeiro. Parei em uma Farmácia com estacionamento amplo. Na entrada estava um homem caído e uma criança que aparentava quatro anos de idade. Ele estava em sono profundo e alcoolizado. A criança de bom aspecto, semelhança paternal com o homem e uma alegria contagiante. Eu e Fabiola entregamos água, biscoito e frutas que levávamos no carro. A criança agradeceu com um beijo e deixou o que recebera próximo ao pai que em seguida despertou. De tudo que contei, o que mais me incomodou foi a visão do louco, o solitário alienado. O rio segue uma direção e assim permanecerá. Eu o verei outras vezes, poderei vê-lo de outra forma, dependerá do dia, das chuvas, eu poderei escolher. O rio depende da intervenção do homem, ele pode ser salvo, não desaparecerá se cuidarmos; o ébrio, quando retornei, ele não se encontrava mais, podia estar em algum beco, esquina ou algum bar de nossa cidade, ou quem sabe, em alguma sala dos Alcoólicos Anônimos (AA) e salvo socialmente. Não depende de mim, não depende de nós, depende dele mesmo. A criança, quero crer, será salvo pela mãe, pelo incentivo à leitura e aos estudos, assim como nossos estudantes cachoeirenses, ganhadores do Concurso de Crônicas da ACL. Mas, o louco seguirá com a mente vazia, um andarilho em meio à cidade, uma cidade cada vez mais indiferente. Seguirá com gestos e palavras desajustadas e ao vento.


Sergio Damião Médico e cronista

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