Relatos de uma criança - Jornal Fato
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Relatos de uma criança

Uma homenagem a minha filha e a todas as crianças que enfrentam os desafios do tempo presente


Todo ano, quando começo a estudar, a tia me pede para fazer uma redação sobre "minhas férias..." Não sei bem como escrever, mas, sempre lembro de como foi bom, de como brinquei e de como fui feliz sem hora para acordar e sem tarefa escolar para fazer.

Este ano, fiquei muito ansiosa para começar as aulas. Ficava com lágrimas nos olhos só de imaginar minha chegada triunfante na escola. Nossa que legal: lá eu poderei olhar nos olhos e abraçar meus amigos, terei parceiros para brincar! Quanta emoção!!! Minha mãe me disse que as aulas iriam começar dia 01 de fevereiro e mal podia esperar, experimentava uma mistura de alegria, de medo, de ansiedade...

Já me preparava para saber o que escreveria sobre minhas férias e pensei:

- "Minhas férias foram..., sei lá, diferentes de todas as outras. Ficava o dia todo conversando com os meus amigos e fiz dezenas de novas amizades. Mas, também, ficava muito sozinha porque não podia abraçar e não podia brincar com outras crianças, exceto, às vezes, com um ou outro primo mais chegado. Assim, conversava apenas por meio do celular... Não, não telefonava, não! Ficava batendo papo por meio dos jogos on line, mas era muito chato quando eu tinha que interromper a jogada porque era chamada para tomar café, almoçar, lanchar e jantar... Tinha dia que nem queria tomar banho porque não me sujava. Minha vontade mesmo e, por vezes fiz isto, era, no sentido literal da palavra, engolir a comida, enquanto olhava para o celular encostado em algum copo, panela ou vasilha. Meus pais não conseguiam entender que o jogo era on line, ou seja, se eu saísse no meio dele, eu iria perder a jogada e o amigo, que acabara de conhecer.

- Minhas férias foram assim... muito solitárias. Às vezes, ficar só me cansava e, escondida, chorava um pouco, mas, depois me distraía outra vez. Cheguei marcar lá em casa com um amigo, mas, no dia, ele teve febre e tudo foi desfeito. Da outra vez, estava tudo certinho, mas eu fiquei gripada e, assim, num longo piscar de olhos, as férias foram-se embora junto com parte da infância perdida. Mas, confesso, não via a hora de voltar a estudar. Afinal, na escola, tenho muitos amigos de verdade, daqueles que posso apertar, abraçar e brincar, pois têm carne e osso. Posso até olhar nos olhos e conversar como gente normal faz.

Esperava ansiosa o dia 01 de fevereiro, mas, na semana anterior, chegou uma mensagem no celular da mamãe que dizia: aulas híbridas, uma semana on line e outra presencial.

Minha primeira semana foi de aula on line. Como é difícil ficar concentrada na frente de um computador ou de um celular! Mas, tudo bem, esperava ansiosamente chegar meu dia de presencial. Chegou, graças a Deus, mas, outra vez, não pude abraçar, nem brincar e, se não bastasse, fui obrigada a ficar o tempo todo com uma máscara que impõe um trabalho maior para o ar, que Deus gratuitamente me deu, entrar e sair dos pulmões. Nem o lanche pude compartilhar e, a cada movimento, tinha que passar álcool nas mãos.

Assim, vivendo uma nova rotina, que traz lembranças e saudades da vida que antes eu tinha, espero, com toda força do meu coração, que esse tal de COVID-19, em 2021, vá embora logo e me devolva o direito de ser criança, de sorrir e de experimentar a vida sem manter distância das pessoas e dos amigos que me são tão importantes.

FIM...

 

Katiuscia Oliveira de Souza Marins


Katiuscia Marins Colunista/Jornal Fato Advogada e professora

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