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Em poucas palavras, tentava explicar, no último fim de semana, para o meu neto Bernardo, o nascimento do som


- Foto Reprodução Web

No movimento vibratório da palavra escrita e pronunciada, da respiração, dos acordes da música, da calmaria do silêncio e da vida, origina-se o som.  Em poucas palavras, tentava explicar, no último fim de semana, para o meu neto Bernardo, o nascimento do som. Aos cinco anos de idade, encontra-se a caminho do ensino fundamental - período escolar da alfabetização (aprender a ler e escrever).  Estava em São Paulo e na sala do apartamento. Ele mostrava várias conchas marinhas e dizia: Vô Sergio, olha o que Vô Du me deu! Vô Du disse que a concha possui um labirinto em seu interior e podemos ouvir vários sons, completou. Logo, deixamos o apartamento e seguimos em direção à escola do Bernardo. Uma escola pequena, poucos alunos e, por Bernardo ser o mais velho, era o único formando do dia. Por ser pequena e, poucos alunos, foi de fundamental importância em sua socialização. A grande preocupação pós pandemia do Covid. Em resumo, uma escola intimista. Na cerimônia de formatura do Jardim de Infância, as professoras encontravam-se emocionadas, tanto quanto os pais e avós. Contaram sobre as ações e projetos do ano de 2023. Desenvolveram um tema: o milheiro. O cereal se assemelha a espiga de milho, com poder nutritivo valoroso e se adapta a vários solos. Pelas suas características tem potencial para mudar os aspectos da fome no mundo. Enquanto discursavam, ouvia-se a música: Imagine, de John Lennon; em vídeos, as crianças falavam das nossas diferenças: cor de pele, forma de cabelos e corpo. Com naturalidade, afirmavam nossas diferenças. Enfim, somos semelhantes, porém diferentes. Com simplicidade, resumiam: precisamos de amor e tolerância.

Enquanto ouvia e via as crianças e o Bernardo, lembrei da formatura de infância. Bem próximo à minha primeira escola, no Parque Moscoso, Centro de Vitória - nossa capital, uma Grande Concha Acústica. Lembro de várias manifestações culturais e junto à Loja Jairo Maia Discos, em fim de ano, meu pai aguardava a chegada do LP do cachoeirense Roberto Carlos. Procurei saber mais das conchas: carapaça protetora de animais marinhos de corpo mole como os moluscos. Formada de uma mistura orgânica de escleroproteína e carbonato de cálcio cristalizado. Representa: Prosperidade e sorte. Para os Astecas e Maias é a representação do mundo dos mortos e das divindades lunares. Símbolos de proteção, intuição, sabedoria e conexão com as coisas divinas. Por possuir em seu interior, semelhança a um labirinto em espiral, como uma caixa de ressonância, concentra e amplifica os sons, efeito semelhante ao barulho do mar - ecos labirínticos. Aproximei a concha do ouvido do Bernardo e disse: "... Deus ao mar o perigo e o abismo deu, / Mas nele é que espelhou o céu." Versos da poesia de Fernando Pessoa, em Mar Português. Uma homenagem ao Vô Du, o avô lusitano do Bernardo. Por fim, lembrei ao meu neto: O grão irritante, pode ser de areia, na concha da ostra, produz a pérola. Cabe a nós perfurar as camadas da pérola em busca da partícula do grão criativo. Acho que Bernardo nada entendeu desses últimos sons. Mas ficará gravado nas palavras escritas. Um dia, quem sabe, entenderá.


Sergio Damião Médico e cronista

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