Como fica o terceiro setor diante da pandemia? - Jornal Fato
Economia

Como fica o terceiro setor diante da pandemia?

Para o futuro, os impactos mais significativos vislumbrados pelas organizações pós-pandemia são, principalmente, a mobilização e a gestão de recursos, e a atração e retenção de colaboradores.


O mais recente relatório publicado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), o "Panorama Econômico Mundial", afirma que a pandemia do Novo Coronavírus deverá custar ao mundo mais de US$ 9 trilhões, gerando uma crise econômica sem precedentes na história. Ainda de acordo com a publicação, a retratação econômica no Brasil deverá ser, neste ano, da ordem de 5,3% do Produto Interno Bruto (PIB). Todos esses fatores, indubitavelmente, vão afetar em curto, médio e longo prazos praticamente todos os mercados e segmentos econômicos.

Mas seus impactos já estão sendo fortemente sentidos em uma área, já fragilizada antes desta crise, que depende - e muito - de captação de recursos para manter suas obras e subsidiar seus projetos: o Terceiro Setor. Para enfrentar a pandemia, muitas organizações sem fins lucrativos tiveram que suspender suas atividades, migrar para o trabalho remoto e veem cair, sensivelmente, dia após dia, suas receitas e recursos.

Para tentar identificar, aqui no Espírito Santo, como está a percepção dos profissionais das entidades do Terceiro Setor em relação aos desafios e os possíveis impactos da pandemia, foi desenvolvida a pesquisa "Contexto da pandemia e o terceiro setor". Numa parceria entre a Federação das Fundações e Associações do Espírito Santo (Fundaes) e a Singular Contabilidade, a pesquisa foi elaborada e aplicada pela Rede Pocante, uma rede de profissionais de diferentes áreas de conhecimento que atuam para o desenvolvimento e a profissionalização do Terceiro Setor.

A pesquisa foi aplicada entre os dias 23 de março e 10 de abril por meio de um questionário on-line, contando com a participação de 50 entrevistados de 48 diferentes entidades. Uma característica que agrega robustez às respostas é que os respondentes, em sua maioria, ocupam cargos de alta gestão, possuindo uma visão mais ampla e sistêmica da organização, como presidência, vice-presidência e diretoria. Participaram entidades de seis municípios capixabas (Vitória, Vila Velha, Serra, Domingos Martins, Ecoporanga e Cariacica) e dois mineiros (Nanuque e São Vicente de Minas). Além disso, para dar profundidade à pesquisa, no dia 07 de maio, foi realizado um segundo momento, reproduzindo uma dinâmica similar a um grupo focal, que contou com a participação de representantes de oito entidades.

Os resultados direcionam as temáticas prioritárias para atenção e reação diante desse contexto. A questão financeira, que não chega a surpreender, despontou como maior desafio enfrentado pelas entidades neste momento, seguidos da atração e retenção de talentos, da mobilização de recursos e da satisfação dos beneficiários.

"Todos estamos passando pela mesma situação, com uma queda brusca nas receitas, por mais que tenhamos intensificado o trabalho de fomentar a captação. Fizemos uma análise do primeiro trimestre desse ano: tivemos uma queda de arrecadação em torno de 20%, isso é muito significativo", comentou Francisco Carlos Gava, diretor-presidente da Acacci.

A situação é a mesma com a Fundação de Desenvolvimento Agrosocial do Espírito Santo (Fundagres Inovar). Segundo sua presidente, Piera Aoki, pelo menos 10 mil agricultores deixaram de ser beneficiados com a atual crise. "Temos que nos reinventar como todos. Estamos tendo grande dificuldade de firmar convênios e contratos que já estavam sendo trabalhados anteriormente", disse.

Apesar das dificuldades, pelo menos 32 entidades afirmaram que estão conseguindo, de alguma forma, gerir as atividades de sua organização, contra 16 que não estão conseguindo. Dos 50 entrevistados, 18 informaram que sua entidade está funcionando plenamente neste período e 15 disseram que estão funcionando bem, mas precisam se organizar. Outros 17 não estão funcionando ou estão, mas de forma muito precária.

As organizações também demonstraram grande preocupação com o cumprimento dos compromissos com seus beneficiários e com a gestão de seus colaboradores (formais ou voluntários). Além disso, as organizações pontuaram desafios como "comprometimento do cronograma", "reuniões", "cumprimento das metas", "conseguir voluntários", "prestação de contas" e "acolhimento das famílias".

Em relação aos beneficiários, as preocupações das organizações estão diretamente relacionadas à suspensão ou interrupção do atendimento e as consequências que isso pode gerar, tais como a ausência da única rede de assistência e apoio que podiam contar, a possibilidade de passarem fome e de sofrerem grandes impactos na sua saúde mental. Além disso, no grupo focal, mostrou-se evidente a preocupação das entidades com a segurança e proteção de seus beneficiários, na medida em que muitos estão submetidos a abusos dos mais diversos tipos, como exploração e violência doméstica.

As entidades também informaram que estão tendo que reinventar suas práticas de trabalho. "Nem todos têm acesso à Internet. Para quem não tem, estamos fazendo atendimento por telefone. Estamos desenhando, testando e validando um modelo híbrido de atendimento para, quando a gente voltar, tentarmos fazer parte em casa e outra parte presencial", afirmou Amanda Querupe, coordenadora Executiva do Instituto João XXIII.

Para o futuro, os impactos mais significativos vislumbrados pelas organizações pós-pandemia são, principalmente, a mobilização e a gestão de recursos, e a atração e retenção de colaboradores. Também foi citado como possível impacto o comprometimento da qualidade do serviço prestado à comunidade.

"Nesse andar, vai ser difícil manter o funcionamento. Vamos ter que repensar a atuação da instituição depois de passar por essa pandemia", desabafou Francisco Gava, da Acacci.

Enquanto o cenário de pandemia continua se espalhando por todo o país, as organizações do Terceiro Setor seguem buscando alternativas para não deixar seus beneficiários sem assistência. Por isso, mais do que nunca, precisam do apoio de toda a sociedade. "Além de buscarmos soluções que venham a contribuir financeiramente com essas organizações, é preciso dar luz a outros aspectos importantes, que podem vir a minimizar os impactos negativos desta crise, tais como a integração do setor para busca de soluções e um planejamento com análise de cenários e readequação dos objetivos, dentre outros", comentou Robson Melo, Diretor Geral da Fundaes.

A pesquisa apontou ainda que outro aspecto importante a ser considerado é a preparação dessas organizações para o contexto pós-pandemia. "É muito provável que os indicadores sociais venham a sofrer impactos drásticos, logo, as demandas das comunidades assistidas serão ainda maiores. Nesse sentido, as organizações do Terceiro Setor podem ser ainda mais demandadas pós pandemia, mas elas estarão prontas para corresponder?", salientou a coordenadora da pesquisa, Maria Letícia, integrante cofundadora da Rede Pocante pela 3 é Par - Conexões Sustentáveis.

Movidas pela solidariedade, esperança e confiança, muitas são as pessoas que atuam nestas entidades. Outros coletivos, em forma de redes sociais, grupos locais de bairros, também têm se juntado para fazer frente ao socorro dos vulneráveis, de ontem e de hoje. Também não faltam empresas, empresários, servidores em geral e a população que pode colaborar. "Isto é motivo de confiança e esperança de dias menos tensos, porque muitas vidas estão sendo salvas", conclui Robson Melo.

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