Professor saudável forma alunos saudáveis - Jornal Fato
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Professor saudável forma alunos saudáveis

Especialista em desenvolvimento infantil diz ser é normal ter dificuldade de adaptação na retomada das aulas presenciais


Foto: Divulgação

Nos últimos dois anos, devido à pandemia do novo coronavírus (Sars-Cov2), alunos foram obrigados a deixar a sala de aula para estudar em casa, remotamente, e os pais, sem preparo para isso, se viram a cumprir, também, as funções de professores. O resultado disso, foram prejuízos na alfabetização de crianças de 6 a 9 anos.

Pesquisa realizada pela Fundação Lemann, Itaú Social e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), publicada em junho de 2021, mostra que, de acordo com a percepção dos pais e responsáveis por estudantes matriculados no 1º, 2º e 3º anos do Ensino Fundamental, 51% das crianças ficaram estagnadas no mesmo estágio de aprendizado durante o ensino remoto e 22% desaprenderam parte do que já sabiam.

Para a psicóloga Naiara Maria Batista, especialista em desenvolvimento infantil e professora universitária, é normal ter dificuldade de adaptação neste cenário e os pais e professores precisam unir forças. Ela alerta, ainda, para a ansiedade gerada com a volta dos estudantes às aulas presenciais, o que, no Espírito Santo, passa a ser obrigatório a partir desta semana.

"O pai não é professor. A mãe não é professora. O professor tem a didática necessária para ensinar. O pai e a mãe, não. Então, não se culpem"

 

Confira a entrevista exclusiva:

FATO - Se adultos têm dificuldades em lidar com esse novo normal, imagine as crianças. É verdade que elas precisam de atenção especial?

Naiara Maria Batista - As crianças estão precisando de atenção especial, pela contingência de que o adulto também está. O adulto ansioso, por consequência gera criança ansiosa.  Eu tenho atendido crianças que engordaram 12 quilos em um ano. Crianças com atrasos escolares graves, como se com deficiências intelectuais. Em boa parte, essa aprendizagem em falta está relacionada aos sintomas ansiosos. E não só a falta do processo de escolarização que elas perderam no ano anterior. Mas também da condição de não poder ir à escola, não ver os amigos, não ter o contato social e só manter o virtual. Tudo isso gerou nelas o que vamos chamar na psicologia de desesperança. E aí, precisamos resgatar essa esperança para que elas retomem, então, o processo de gostar da escola. Porque muitas estão com medo.

 

Pais e professores precisam mudar conceitos e relacionamentos com as crianças?

Agora, mais do que nunca, precisamos trabalhar a partir da mudança. Temos aluno que realmente precisa ser olhado, escutado e acolhido, porque ele vem com uma carga emocional maior. Precisamos de professores saudáveis para termos alunos saudáveis. Pois vamos receber alguns não saudáveis, psicologicamente falando. Porque eles estão no processo ansioso, de retomar, vivenciar a escola e entender que ela tem regras diferentes da casa.

 

A grande preocupação dos pais e professores, que acaba refletindo nas crianças, é essa perda de aprendizado e evolução. Estudar em casa não é a mesma dinâmica da escola. O que se deve fazer para recuperar o tempo perdido?

A primeira dica é solicitar aos pais que parem de se culpar pelo filho não estar aprendendo. Tenho recebido muitos pais com sintomas depressivos por achar que o filho não aprende e a culpa é dele. Não é. Assim como não é culpa da escola. Nós vivemos um processo diferenciado na saúde. Precisamos ficar reclusos. É algo que todos vivenciaram. Um com maiores dificuldades que outros.

 

Mas o que podemos fazer agora, que estamos retomando o ensino presencial?

É como se nós estivéssemos alfabetizando as crianças novamente, porque elas pararam por um período. O pai não é professor. A mãe não é professora. O professor tem a didática necessária para ensinar. O pai e a mãe, não. Às vezes se estressam mais facilmente. Não têm aquele feeling de ter a paciência e a calma de dizer "ok, vamos tentar novamente". A repetição para os pais se torna algo cansativo. Então, não se culpem.
Além disso, solicitar à escola que tenha paciência nessa alfabetização. Nós temos crianças que se deveriam ter aprendido soma e multiplicação no ano passado, e neste, divisão e subtração. Vão precisar aprende neste ano as quatro operações, pois ficou defasado. Não que os professores não trabalharam. Eu sou professora, trabalhei muito. Mas nós não tivemos o mesmo comportamento. Precisamos nos adaptar a uma novidade. Foi difícil tanto para os alunos, quanto para os professores.

Para esse recomeço eu solicito: olhe os seus alunos. Alguns precisam ser alfabetizados. Não conhecem ainda os símbolos, que são as letras, pois deveriam ter aprendido no ano anterior. Recomecem, pacientemente.

 

Sair um pouco da tecnologia, brincar, sair, se divertir - mantendo os cuidados, pois ainda estamos em pandemia - ajuda as crianças a terem mais ferramentas nesse recomeço?

As crianças que ficam muito tempo no celular perdem em aquisição cognitiva. A criança que brinca, que corre, que anda de bicicleta. Que se propõe a cair e levantar. E ao se machucar, entender que vai melhorar, é uma criança com maior capacidade cognitiva porque ela formula maior número de conexões sinápticas, que estão na aprendizagem, a partir do toque, da interação com o outro, da motricidade. Os pais que puderem, levem a um parque, pracinha, tirem a criança do ambiente caseiro e proporcionem a ela, brincadeiras de rua. Eles nasceram numa geração tecnológica, que não é ruim. É muito bom. Nós temos que aprender com eles. Mas eles também precisam aprender com a gente, no sentido de que brincar através do toque, da manipulação, trará a ele um aumento de capacidade neural.

 

É preciso se cobrar menos?

Nós temos crianças que estão vindo da pandemia. Então, se era para ser alfabetizada com 7 anos, e hoje ela tem 8, será alfabetizada agora. Então, calma. Acalmem-se que ele tem capacidade cognitiva para aprender. É tudo num processo e tempo específico.

 

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