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Parem de nos matar

Durante essa semana enquanto acompanhava apreensiva o desaparecimento de Roseli


Foto ilustrativa

Durante essa semana enquanto acompanhava apreensiva o desaparecimento de Roseli, nos deparamos com tantas atrocidades e mentiras e julgamentos que eu fico pensando que esse caminho que a humanidade tomou não tem mesmo volta. Roseli, viúva, independente, mulher, uma profissional super competente, querida e experiente, livre e VÍTIMA. E embora esteja claro e evidente que ela é uma vítima, o tribunal da rede social insiste em entender e enumerar o quanto ela teve culpa em ter sido assassinada. Então vou contar um segredo para vocês. Sabem o quanto de culpa ela teve? Zero. Nada. E que se danem vocês que fingem ter senso de moralidade e não passam de abutres infelizes que se satisfazem com a desgraça alheia.

De tudo o que eu li e ouvi, e não vou repetir aqui, o que mais me doeu foi que mulheres, sim, mulheres, que poderiam estar no lugar dela, acharem suposições absurdas para justificar o injustificável. Mulheres que acusam a vítima ao mesmo tempo que defendem o chefe dessa nação que afirmou que "tem que todo mundo comprar fuzil" e chamou de idiota quem precisa comprar feijão. Pois foi justamente a "arma legalizada", bandeira desse senhor na campanha e na vida, que matou mais uma de nós. A dor da família, que vem passando por perdas sucessivas, é nada diante dessa gente desrespeitosa, covarde, sem noção. É mais que uma honra, é um prazer cada vez que um deles faz o favor de não me suportar.

Não aguentamos mais viver sem a paz de pedir uma condução de aplicativo sem saber se vamos chegar ilesas ao nosso destino. Precisamos mandar nossa localização em tempo real para nos sentirmos levemente protegidas. Não podemos chegar em casa sozinhas à noite, não podemos deixar os vidros do carro aberto, não podemos esquecer um copo de qualquer bebida em cima de uma mesa, não podemos sentar sozinhas em um restaurante ou fazer uma caminhada. O mundo está invertido porque ser conservador, embora o nome tenha pompa, é não entender que nós, mulheres, não estamos de mimimi. Estamos cansadas, exaustas, com medo, nervosas e acuadas. No caos generalizado e na dificuldade de sermos quem somos, só fica um pedido: deixem-nos viver.

Sabemos que pelos fatos e estatísticas o primeiro ato de violência que vem de uma relação tóxica associada a uma masculinidade frágil dificilmente vai ser um tiro. Antes dele uma crise de ciúme doentio, um soco na mesa, um chute no ar, uma ofensa: louca, burra, inútil, vadia, folgada, preguiçosa, gorda, flácida, horrorosa, gastadeira, oferecida e daí para frente. Importante estarmos ligadas aos sinais. Mas nem sempre estamos atentas a isso ou nos sentindo forte o bastante para enfrentar o mundo lá fora sem ele que, apesar de tudo, é a pessoa que paga as contas. Não sabemos nós que, ao passo que os boletos são quitados pelo nosso algoz, a destruição que eles nos causam não podem ter seu valor mensurado. E aqui aproveito a deixa para recomendar: assistam MAID.

Amor próprio é o nome daquilo que nos falta tantas e tantas vezes. E amor ao próximo é o que falta a você que ainda não aprendeu que atrás de cada um existe uma história que só quem viveu sabe, que a rede social é apenas uma casca fina e tênue que jamais mostrará o essencial, que enquanto você julga uma vítima pode ter uma coisa muito grave acontecendo bem debaixo do seu nariz, dentro da sua família, mas seu próprio umbigo é importante demais para que você tenha o mínimo de compaixão com quem está próximo. Como me disse uma amiga outro dia, os hipócritas acabam sendo as primeiras pessoas que se vestem com uma camiseta branca com a foto de quem partiu, pedindo justiça, só para sair bonito nas redes sociais. Uma pena que seja assim.

Por favor, parem. Apenas parem de nos matar.


Paula Garruth Colunista

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