Devoções encruzilhadas - Jornal Fato
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Devoções encruzilhadas

Refiro-me, com gratidão e orgulho, à fé católica que me adveio das preces que minha vó Zefa, em momentos de angústia, entrega às Santas Chagas.


- Foto Reprodução Web

Ainda que finalmente iniciado nos mistérios de Orunmilá, o orixá do destino, nunca haverei de desprezar o catolicismo popular que exerceu forte influência em minha formação. (Por meio de seu opelê, Ifá me confirmou que sou filho de Oxum, o que explica, entre outros segredos d'água, todas as riquezas que já recebi de iyá, acima das quais reina minha pétala de bem-querer.)

Refiro-me, com gratidão e orgulho, à fé católica que me adveio das preces que minha vó Zefa, em momentos de angústia, entrega às Santas Chagas; das missas acompanhadas, pela tevê, por minha vó De Lourdes, às seis horas; da imagem de São Sebastião que ganhei, uns anos atrás, de minha mãe Elza. Para elas, sempre serei uma conta miudinha de seus terços. Amém.

Assim, desenhei um gongá onde Nossa Senhora Aparecida, que pertencia à minha bisavó Morena, vive rodeada pelas borboletas de Oyá; onde seu Zé Pelintra, nas manhãs vagabundas, costuma papear com Cristo Redentor, sincretizado à luz - e à paz - de Oxalá; onde Santa Rita de Cássia, de mãos dadas com preto-velho Severino, (en)canta-me pontos do tempo do cativeiro.

Comovido, relembro de quando sonhei que eu era escoltado pela molecada, que me entoava: "Porque Cosme é meu amigo e pediu a seu irmão, Damião, pra reunir a garotada e proteger meu amanhã". E, até hoje, protege.

Aos pés do berimbau, ao toque de São Bento Pequeno, jamais deixo de me benzer com o sinal da cruz: em nome do Pai, do Filho e do Divino Espírito Santo, saravá! Acontece que, "mente aberta no corpo fechado", não nego meu natural - uma vez firmado em devoções encruzilhadas, sou dia e, a depender do trato que me dispensarem, sou noite.

 

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Este caboclo corajoso

já venceu o próprio medo:

após andar no pedregoso,

não se viu mais arremedo.

Covardia lhe valia,

em pregressa condição.

Mas ao ponto, meio-dia,

fez a sua oração,

rogando à Virgem Maria,

Mãe do Pai da Criação,

arrelia e bravura,

mais que tudo, sua moça,

também dois par de ferradura

pra seu cavalo de roça,

além de farta colheita

em seu pequeno cafezal.

Caboclo bom não rejeita

tanto o bem, quanto o mal,

desde que se fez coragem

no rosário de Mãe Virgem.

 


Felipe Bezerra Jornalista

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