Por trás da capa - Jornal Fato
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Por trás da capa

Quando vemos apenas a capa e fechamos as possibilidades, lindas oportunidades são perdidas


- Foto Reprodução Web

Maurílio, meu primogênito, quando ainda era criança, me deu de presente o livro "Meu Pé de Laranja Lima", de José Mauro de Vasconcelos. Foi ele mesmo quem escolheu e comprou com o pouco dinheiro que recebeu para passear em Vitória com seus tios e primo.

Ao chegar em casa empolgado, veio correndo até mim e disse:

- Mãe, minha tia disse que esse livro é muito bom, comprei para você!

Dei um beijo nele, agradeci e guardei o livro no armário onde ficou muito tempo. De vez em quando, Maurílio lembrava que eu não tinha lido o livro que me deu. Pelo nome, confesso que não me interessei pela leitura. Olhei a capa, mas não enxerguei o que estava por trás da aparência.

O livro rodou pela casa e certo dia, sumiu...

Quando meu filho, ainda jovem que é, mudou-se de cidade, passei a sentir um vazio de mãe e uma saudade que doía, ainda dói. Nesse momento, comecei a lembrar do livro e a ter o sentimento de que minha omissão na leitura, gerava uma pendência em relação ao meu filho.

Mas, e agora? Cadê o livro? Não achei. Fui, então, buscar pela internet quando, de repente, achei o "Meu Pé de Laranja Lima" em pdf, baixei. Para acalmar meu coração e pôr fim a pendência que criei em mim, comecei a ler.

Depois da leitura da primeira linha, não consegui mais parar. Eu lia, lia, o coração ardia, por vezes, precisei de parar a leitura para enxugar os olhos que lagrimejavam.

A história por trás da capa era tão linda, tão real e tão sofrida que me fez refletir sobre incontáveis experiências, acertos, erros e sobre a realidade social do nosso país que, por vezes, impõe que crianças, ainda em tenra idade, sejam forçadas a se tornarem adultos para sobreviverem a dor da indiferença, da rejeição, da pobreza e da maldade humana.

Zezé, o personagem principal do livro, era uma criança sonhadora. Filho de uma família pobre que criava os filhos, sem perceber, lançando maldições sobre eles. Porque era muito levado, todos diziam, inclusive os pais, que o mínimo tinha o diabo no corpo e ele chegou a acreditar nisso. Por essa razão, era diariamente espancado em casa, certa vez, quase morreu de tanto apanhar, mas, ninguém conseguia ver a grandiosidade da dor de sua alma, pois essa doía mais que as feridas das surras.

A história vai mostrando o como o sofrimento, na vida de uma criança, mata a infância e gera a maturidade e, de repente, entendi que o Zezé menino morreu muito novinho e se transformou num homem com apenas poucos anos de vida. Isso me levou as lágrimas.

Essa experiência me fez refletir que, como o livro, que não dei valor, muitas vezes, olhamos para as pessoas pela capa, por suas aparências. Assim, perdemos a oportunidade de conhecer a beleza que emana de suas palavras, de suas experiências e de suas almas...

Depois de ler o livro, como uma menina mulher, liguei para meu filho e disse:

- Filho, eu li o livro que, um dia, me deu! Achei lindo, filho, meu coração doeu, lágrimas rolaram de meus olhos e vim agradecer pelo lindo presente.

Ele sorriu... e ouviu com curiosidade meu resumo sobre o livro. Tirei essa pendência de meu coração, mas há muitas outras pois a maternidade é uma dádiva linda, mas sem manual, construída em meio as nossas limitações, logo, cheia de erros e de acertos.

Aprendi uma lição: quando vemos apenas a capa e fechamos as possibilidades, lindas oportunidades são perdidas.

 

Katiuscia Marins

 

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